São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012

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NOITE

O SILÊNCIO É DE LYNCH

por Sérgio Dávila, em Paris

Serafina visita o clube parisiense do diretor de “Veludo Azul” e bate um papo com o filho do dono.

Cerca de mil pessoas tentam entrar todos os dias em Silencio, o novo clube privé que David Lynch inaugurou em Paris. Pouco mais de 200 conseguem, todos eles convidados, se antes da meia-noite, ou aprovados por um segurança/juiz-de-estilo, se depois. Numa quinta-feira de abril, estive no primeiro grupo.

A casa noturna do criador de clássicos doentios como a série de TV “Twin Peaks” (1990-1991) e os filmes

“Veludo Azul” (1986) e

“Coração Selvagem” (1990) não tem indicação na porta. Se esconde numa fachada totalmente preta, numa esquina do número 142 da rua Montmartre, no coração do Deuxième Arrondissement, o segundo dos distritos que dividem Paris.

Vencida a barreira inicial –“Tem nome na porta? Quem o convidou? Deixe-me checar”, pergunta o segurança, Nextel na mão–, o visitante desce seis lances de escada, como se tivesse sido condenado, não à prisão perpétua, mas à diversão obrigatória, quase tão ruim. Impressiona o silêncio do caminho que leva da rua ao bar.

São 72 degraus prédio abaixo sem barulho outro que não o dos próprios passos.

Silencio, sem circunflexo, em espanhol, era o nome do clube do delírio surrealista “Cidade dos Sonhos - Mulholland Drive” (2001), penúltimo filme de Lynch. É também uma homenagem do cineasta a uma prática da qual se declara embaixador mundial: a meditação. “É dinheiro no banco. Não tem erro. Meditar é como mergulhar em um cofre cheio. Cada vez que vai lá, pega umas moedas”, disse ele em entrevista à

Serafina de agosto de 2008.

ECONOMIA CRIATIVA

Dinheiro no banco, mesmo, tem sido o clube Silencio: desde que Lynch o inaugurou, em setembro do ano passado, lotam o lugar diariamente parisienses, empresários internacionais, curiosos de passagem pela cidade e celebridades em busca de um lugar longe dos paparazzi –fotos são proibidas, com exceção de em um pequeno corredor coberto de placas douradas, onde estouram flashes a noite inteira, a maioria de pessoas que querem provar aos amigos que estiveram lá.

Descidos os seis lances, sou recebido por uma figura familiar, ainda que mais jovem. Ele começa a conversar. Acabou de deixar a sala de cinema, que como todos os outros ambientes também foi projetada por Lynch. Traz apenas 24 cadeiras de namorados, com assentos duplos, e exibe um filme da escolha dele por noite e duas estreias por semana.

Naquela noite foi exibida a cinebiografia “Cloclo”, do francês Claude François (1939-1978), autor da música “Comme D’Habitude”, que o mundo viria a conhecer como “My Way” na voz de Frank Sinatra e Sid Vicious. “O filme é bem esquisito”, me diz o menino. Ele sabe do que fala. Chama-se

Riley Lynch, tem 20 anos e estuda em Londres.

Seu pai é o dono do pedaço.

“Ele vem muito aqui, às vezes com a mãe”, me confidencia Coralie Gauthier, relações-públicas da casa. David Lynch casou-se seis vezes. A terceira com Mary Sweeney, parceira em alguns filmes e coautora de “História Real” (1999). Depois de alguns anos juntos, já com Riley, os dois decidiram se casar, em 2006. Divorciaram-se um mês depois. São amigos.

A presença de Riley não é um acaso. David Lynch aparece em cada detalhe da casa. O cineasta desenhou todos os móveis, que depois foram fabricados pela casa renomada Domeau & Pérès. O de que mais gosta é o sofá que acompanha a grande pia comunal do banheiro, unissex, onde ele imaginou que homens e mulheres se conheceriam e conversariam antes de entrar nas casinhas.

Desenhou o fumódromo, uma floresta de árvores feitas de fibras ópticas que, sendo Paris, é um dos locais mais frequentados da casa. As cadeiras da sala privé de cinema. Desenhou até mesmo alguns drinques de um dos bares, em que três barmen não param um minuto de servir coquetéis sobre guardanapos pretos (o outro é um bar à vin, em que é possível tomar vinhos locais em taça e pagando com cartão).

PALCO VERMELHO

Um dos mais pedidos é o mojito com champanhe, acompanhado de bentô-box de club-sandwich de salmão. É de Lynch também o pequeno palco com cortinas vermelhas, como as do palco em que canta Isabella Rossellini em “Veludo Azul”, como as do palco do clube Silencio, em “Cidade dos Sonhos”, e como a Sala Vermelha, de “Twin Peaks”. Ali se apresentam bandas e tocam DJs todas as noites. Maceo Parker, ex-saxofonista de James Brown, fez show naquela semana.

São 700 m2 que já abrigaram a redação do jornal

“L’Aurore”, entre 1897 e 1914, nas páginas do qual Émile Zola publicou o célebre “J’Accuse!” (eu acuso), carta aberta ao presidente em que o escritor criticava a condenação do capitão judeu Alfred Dreyfus, acusado de espionagem.

Agora é o Silencio de Lynch, que pensa em abrir “em breve” filiais em Buenos Aires e em São Paulo –não no Rio de Janeiro. “Ele sabe onde está o dinheiro”, sussurra Coralie.


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