São Paulo, domingo, 29 de Maio de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DESENHO

Rainha da Sucata

por Eduardo Logullo

Designer, poeta e artista plástica, Mana Bernardes se destaca ao criar colares e brincos com garrafas pet e bolas de gude

Parece que tudo acontece no ateliê de Mana Bernardes, numa ladeira do Leblon, zona sul do Rio. Centenas de informações simultâneas por todos os lados. Aos 29 anos, ela se tornou referência máxima no Brasil como designer de joias alternativas, elaboradas com materiais reciclados, contas, sobras industriais e metais nobres. Mas Mana se divide por realizações múltiplas. Designer. Poeta. Artista plástica. Perita em ideias. Mentora de ações sociais. Pesquisadora de materiais. Criadora de metodologias inovadoras. Cidadã instigada por controvérsias. Sua história começou cedo. Era adolescente, 12 anos, quando suas joias de garrafas pet foram parar na novela das oito. Aos 14, ensinava design alternativo. "Eu nem tinha peito!" Decidida a mudar o mundo, Mana continuou "missionária" por oito anos em várias ONGs, e deu aulas para mais de 400 jovens. Em 2009, em outra junção popular inesperada, reuniu cem mulheres para montar o "Natal de Transformação" em Canoas (RS), com decoração de garrafas pet recolhidas por escolas públicas. "Aprendi sozinha a desenvolver mapas de potencialidades".

Plataformas
Hoje ela define suas diversas atuações como intersecções ?articuladas. E não se considera joalheira. "Crio joias cotidianas, escrevo, desenvolvo proje-?tos visuais e de educação. ?As quatro plataformas se nutrem". E mais: estuda sucatas para inventar objetos, faz palestras e desenvolve consultorias de criatividade. "Meu trabalho é de pensamento. Não faço reciclagem nem bijuterias. Trabalho com belezas". A produção de peças é reduzida, mas permanente. Consulta as artesãs sobre o valor que esperam receber pela manufatura de cada colar, brinco ou pulseira. "Gosto de sustentar ideias, praticar comércio justo e me sustentar". Seus 70 modelos de joias são produzidas em pequena escala e vendidas em museus: no MAM de São Paulo e do Rio, em Inhotim (MG), no MoMA (Nova York), além de alguns pontos de venda na França (Maison Collete), Alemanha e Portugal. O luxo está em combinar cortes precisos de garrafas pet, cartões telefônicos, cilindros plásticos e lantejoulas com pérolas ou ouro.

Apostas
Duas recentes realizações de Mana, entretanto, podem se tornar suas maiores conquistas de mercado. Ela aposta na luminária Mobilo, a ser lançada pela Galeria Luisa Strina na mostra Design São Paulo. E acaba de fechar um contrato com a Grendene (das marcas Melissa e Ryder). A meta da empresa é que o nome dela dê um upgrade conceitual nas sandálias Ipanema. "Sempre acreditei que meu trabalho fosse dar certo. Minhas 'joias cotidianas' são uma licença poética". Poesia, aliás, é onipresente em sua vida. Tudo começa na palavra. A poeta Mana Bernardes lança este ano um livro de 300 páginas com seus textos caligráficos, selecionados pela crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda para a editora Aeroplano. O prefácio é de Arnaldo Antunes. Talvez os jorros criativos sejam genéticos. O avô paterno de Mana, o arquiteto Sérgio Bernardes (1919-2002), trabalhou com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Assinou projetos como o Pavilhão de São Cristovão, o Country Club de Petrópolis, mais o Mastro da Bandeira Nacional e o Centro de Convenções -estes em Brasília.

Entorno
Seu pai, o cineasta Sérgio Bernardes Filho (1944-2007), foi um homem de experimentações. Exilado na França, estudou teatro com Maurice Béjart e sempre fugiu da criação convencional. Levada por ele, Mana passou, aos sete anos, 40 dias numa aldeia pataxó no sul da Bahia. "Mudei de percepção. Aprendi a utilizar materiais do entorno. Quando voltei, abandonei meus cadernos Hello Kitty para desenhar em sobras de papel da padaria ou inventar colares com embalagens de cigarro". Na mesma família libertária, a mãe de Mana é a poeta e educadora Rute Casoy. A artista plástica Cristina Bernardes, tia. Seu irmão mais novo, Pedro Bernardes, hype da cena musical carioca, tem um filho com a cantora Marisa Monte. Registrado por eles com o nome de Mano Wladimir. A inquietação, o turbilhão de vontades e as angústias convivem em paz dentro de Mana. Ela acredita que são possibilidades de avanço. Idealista, acredita no Brasil e ainda pretende transformar muitas coisas daqui para a frente. Como cidadã e artista, é direta: "Quero morrer alternativa".

Texto anterior: FINO: Daniel Rezende. Indicado ao Oscar, vencedor em Cannes. Não conhece?, por Fabrício Corsaletti
Próximo Texto: ENSAIO: Turquia. Istambul, muito além dos cartões postas, por Debby Gram e Zeca Camargo

Índice



Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.