São Paulo, domingo, 30 de Outubro de 2011

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MEMÓRIA

"Again, mr. Lennon, please, again!"

por Marcos Dávila

Renata de Almeida lembra da teimosia que Leon Cakoff usou para criar a mostra internacional de cinema de SP e convencer John Lennon a abrir a jaqueta

Cannes, 1971. John Lennon e Yoko Ono estão em uma entrevista coletiva para falar dos seus curtas-metragem experimentais exibidos no festival de cinema ("Apotheosis", de Lennon e "The Fly", de Yoko). O cantor veste uma camiseta com o nome da amada estampado em letras grandes e abre a jaqueta para os fotógrafos.

Bem depois dos flashes, um repórter brasileiro atrasado interrompe a entrevista e insiste com o ex-beatle para que abra a jaqueta de novo para mais uma foto: "Again, Mr. Lennon, please, again!". Era Leon Cakoff (1948-2011), em sua primeira viagem a Cannes. Foi nessa viagem, segundo o crítico Rubens Ewald Filho, que ele se inspirou para criar, em 1977, a Mostra Internacional de Cinema de SP.

A ampliação em preto e branco está na sala de Renata de Almeida, diretora da Mostra, mulher de Cakoff havia 22 anos. "A foto ficava no escritório. Quando ele ficou doente, trouxe pra casa", lembra Renata, que recebeu a reportagem da Serafina em sua casa, curiosamente em frente à praça John Lennon, no Alto da Lapa.

A imagem de John e Yoko foi colocada em uma parede muito especial, ao lado de fotos da família, do quadro de Tomie Ohtake que deu origem ao logotipo da Mostra e de uma tela dos grafiteiros osgemeos, que assinaram o cartaz da 33ª edição, entre outras recordações.

Cakoff pendurou os quadros em janeiro, após passar por cirurgia contra o câncer. A ideia era fazer uma surpresa para a mulher, que havia viajado com os filhos.

"Quando voltei, o Leon disse: 'Finalmente fiz a parede'", recorda Renata. Cakoff gostava de dizer que, na foto, John Lennon estava olhando para ele. Com uma cara de má vontade, é verdade, já que abrira a jaqueta depois de muita insistência.

"O Leon não tinha vergonha de insistir. Ele tinha esse dom de convencer", diz ela. Foi com esse talento que conseguiu passar por muitas barreiras, a começar pela criação da Mostra, em plena ditadura militar.

Em 1982, num plano digno de filme de espionagem, teve êxito ao obter do Ministério da Cultura da Turquia uma liberdade condicional para o diretor curdo Yilmaz Güney, então prisioneiro político, que viria ao Brasil como convidado da Mostra. O cineasta ficou em Zurique, onde tinha conexão para o Brasil, fugiu e consegui terminar seu filme "Yol", que ganhou a Palma de Ouro em Cannes.

A produção mais recente da Mostra, "Mundo Invisível", também tem a marca de Cakoff, que convenceu os diretores Wim Wenders e Theo Angelopoulos a filmar em SP. Mas talvez seu maior triunfo seja o começo do namoro com Renata. "Ele insistiu muito."

Resultado de muita luta (e insistência), a Mostra completou 35 anos. É o primeiro deles sem a presença de seu criador.

Mas o sonho de um mundo sem fronteiras, que Lennon defendeu com a música e Leon com o cinema, não morreu.


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