São Paulo, domingo, 30 de Outubro de 2011

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FINO

o artilheiro do flamenco

Por Katia Calsavara

Israel Galván treina as pernas dez horas por dia para manter a fama de maior bailarino de flamenco do mundo

Duas horas antes do espetáculo, a plateia do Theatro Municipal de São Paulo está vazia. Os faxineiros agitam vassouras e sacos plásticos entre as cadeiras, e os técnicos iniciam um papo, em altos brados, sobre hambúrgueres. No palco, o bailarino espanhol Israel Galván, 38, não ouve cebola nem bacon. Concentra-se.

Os gestos dele são tão precisos que, mesmo lá de trás, de onde consegui acompanhar o ensaio, dá para vê-los bem. As plantas e os calcanhares do "bailaor" parecem movidos a pilha. As batidas explodem no tablado de madeira e silenciam os técnicos e sua conversa fast food.

O bailarino estava no Brasil para uma única apresentação no Flamenco Festival, evento criado em 2001, que já passou por Tóquio, Nova York, Londres, Paris e outras cidades.

Galván me recebe no camarim com uma bolsa de gelo no joelho direito depois da apresentação do espetáculo "La Edad de Oro". Na última hora e meia, suas "rodillas" suportaram uma grande dose de batidas precisas, daí os cuidados estilo "pós-guerra". "Tenho uma constituição forte", afirma. São mais de dez horas de ensaio diário quando desenvolve novos espetáculos. Nunca teve lesão séria.

Nascido em Sevilha, filho de pais bailarinos, Galván começou a dançar flamenco aos cinco anos, embora sonhasse ser jogador de futebol. No celular, ele me mostra um ensaio fotográfico feito em um estádio em Sevilha, em que está vestido como jogador. "Ainda vou fazer um espetáculo sobre futebol", diz.

"Considero-me vítima de um trabalho que é quase uma tortura. Você precisa estar sempre muito equilibrado", completa. Durante as turnês, ele mata a saudade dos filhos Jacob, 10, e Milena, 7, via Skype. O flamenco não faz parte da vida dos pequenos, mas Milena faz balé clássico há três anos. "Não faço questão de que sigam a tradição da família."

Cansado, Galván conta que trabalha muito desde 2004. Um dia antes da gala paulistana, estava dançando em Cingapura. No camarim, fico em frente ao sofá onde ele estica as pernas. No palco, elas parecem ter três metros de comprimento. Ali, elas cabem no sofazinho de dois lugares.

Ele fala com muita simplicidade de sua trajetória, embora acredite que sua missão seja especial. Com gestos agora nem tão delineados, conta do amor pelo futebol e pela música, a tradição flamenca que pulsa em suas veias e da falta de tempo para fazer mais coisas. "Eu já acordo dançando."

Dono de um estilo próprio, luta por evolução constante, utilizando elementos de butô, a dança minimalista japonesa, das artes plásticas e da literatura em suas coreografias. Em 1998, antes da carreira independente, integrou a Compañia Andaluza de Danza, de Manuel Soler, e ganhou prêmios.

Galván esteve no Brasil pela primeira vez em 2008, na 28a Bienal de Arte de São Paulo. À época, disse que gostaria de fazer uma grande turnê pelo país, mas ainda não foi desta vez. Não se sabe de onde tiraria forças, mas, quatro horas depois, precisaria estar no aeroporto, embarcando para o Chile. Seus sapatos têm mesmo que ser feitos para voar.


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