São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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CAPA

Camelomania

por IVAN FINOTTI

Hà um ano, Marcelo Camelo saiu do grupo Los Hermanos para, querendo ou não, receber o título de próximo ícone da mpb. para alguns, ele é o novo renato russo, como atesta o choro dos fãs em seus shows. para outros, camelo é o chato da vez. ou, ainda, apenas o namorado da cantora mallu magalhães. para o próprio, que se considera um ser abstrato, É tudo bobagem: “vai um chope aí?”

–Olá, sou o Marcelo Camelo, como vai? Quer um chope? Acabei de pedir um. Aqui servem um dos melhores do Rio. Dois, então, por favor. Como? Foi ao meu show no Citibank Hall? Não sei por que mudaram o nome desse lugar. Deveria ser Palace para sempre, não acha? Deveria ser Palace sei–lá–o–quê, mas não deveriam tirar o nome original... Sim, vamos lá.

–O que você quer saber?
–Como comecei na música? Bem, até os 15 anos eu ouvia muito Bon Jovi. Durante cinco anos, foi só Bon Jovi. Sei o nome dos caras todos, conheço as tatuagens. É, os negos me sacaneiam até hoje, não é, cara? Gostar do Bon Jovi. Outro dia eu achei um calendário dele e botei na geladeira. Os amigos ficam rindo de mim, que engraçado.

–Se eu gosto de ser do contra?
Não é isso... Eu gosto de música. Eu gosto do “sim”. Gosto de gostar, mais do que não gostar. Mas tem uma parada que me causa um estranhamento, que é quando vejo um código de que é “muito legal gostar de uma parada” ou que é “muito ruim gostar de uma parada”. Aí, eu faço uma força grande pra me manter à parte. Hoje em dia, não, mas já houve idade em que, por insegurança, eu precisava afirmar minhas diferenças em relação ao senso comum, né?
–A diferença é um artifício da nossa espécie que joga a favor da sobrevivência. Darwin falava que as espécies que prevaleceram, plantas e animais, foram as que aprenderam a colaborar e a improvisar. E a nossa diversidade nos ajuda a ser melhores improvisadores. O fato de termos uma dieta onívora, por exemplo. Tem várias coisas que fizeram nossa espécie prevalecer que têm a ver com a nossa diversidade. O fato de cada um de nós pensar o mundo de um jeito é um deles. E isso deve ser preservado. A gente deve celebrar a diferença de opiniões.
–Hoje comprei aquele livro famoso do Stephen Hawking, sabe? Isso mesmo. Saiu um novo, na verdade é uma reedição desse que você falou, atualizada, “Uma Nova História do Tempo”, acho. Acredito que os cientistas, cada vez mais, têm essa noção: a ciência fala muito mais sobre o instrumento que você usa para observar o universo do que sobre o universo em si. Eles já sabem dessa parada, entende? Mas eles não esmorecem, cara. Essa busca pela abstração é uma parada muito fascinante. Várias coisas. Números primos. Nego não sabe quando é que é o próximo período de números primos, sabe? Quando é que é o próximo primo?
–A cabeça dos caras que ficaram pirando nessa parada, sabe? De todos mesmo, cara, desde o padre lá das ervilhas... Isso mesmo, o Mendel! Desde ele até essas buscas atuais, colisões de hádrons, sabe? Eu fico querendo entender, sabe? Caralho, acho muito demais!!!
–É como expressar a sua emoção a partir da pintura. Aí você tem diversos jeitos de fazer isso, não é? Tem discussões em torno disso. E aí me interessa entender a diferença do Van Gogh e do Gauguin: os métodos e processos, os discursos, os diálogos entre eles, entendeu? São tão engrandecedoras essas descobertas, essas procuras. O fato, por exemplo, de o Einstein promover as maiores descobertas dele, com 26 anos, num escritório de patentes, cara, sabe? Sem nenhum laboratório, só na cabeça mesmo, fazendo as contas.
–Minha parada é como um jeito de fazer ciência que tenha a ver com a expressão da emoção a partir das ondas sonoras. Essa é uma busca científica. Se você for resumir, a busca é essa. É tipo você estar indo em direção ao objetivo, descobrindo coisas que se encadeiam para trás, mas você não está mais próximo de chegar. Você não fica mais próximo, entendeu? Nunca!

–Como é minha busca científica na música?
Ah, te deixei intrigado com essa história. O meu método de fazer letras tinha uma influência grande dos poetas que escrevem as coisas diretamente. ?Eu não gostava de deixar margem de dúvida naquilo que eu escrevia. Mas, nesse último disco (“Sou”, Sony BMG), por conta de um caminho de vida mesmo e das coisas que eu li, sei lá, e do método que eu estabeleci anteriormente, do diálogo que eu tenho com meu próprio método, eu resolvi relaxar, entendeu? Não escolher nada. Não escolher as palavras. Não escolher as notas, simplesmente, estar passivo diante delas, entende?
–Eu ia tocando e ia cantando. Muitas vezes eu fui cantando a primeira coisa que me saía pela cabeça e, na imensa maioria das vezes, isso fazia muito mais sentido e me dizia muito mais respeito. É muito difícil explicar, porque eu nunca escrevi essas letras. Pela repetição, eu vou amaciando as transições, sem escrever, sem escolher. Se eu escrever e começar a cantar daquele jeito, eu vou passar a gostar e vai ser difícil mudar. Então, eu vou cantando e nunca gravo, sabe? Nunca anoto, nunca nada. Aí, no dia seguinte, quando eu acordo, quando eu vou retomar a música, ela vai me recorrer de outro jeito, eu vou tocar um pouquinho diferente e é assim que eu vou fazendo, entendeu? Demora um pouco mais de tempo, mas depois, ouvindo, eu tenho a sensação de naturalidade. Não teve um parto forçado, veio como tinha que vir mesmo.
–É o negócio da luz: se você coloca uns instrumentos para medir a luz como se ela fosse onda, ela se comporta como onda. Mas se você coloca umas paradas para medir como se fosse partícula, ela se comporta como partícula.
E é meio essa parada mesmo com minhas letras. Se tu olhar de um jeito, ela vai se comportar de um jeito; se tu olhar de outro, ela vai se comportar de outro.

–Eu pareço um no palco? É isso que você disse? Mais um chope? E um pastel de polvo , talvez? Ótimo.
–É, a parada de estar no palco é esquisita. Você entra, tem um monte de gente te olhando. Uma vez que a pessoa é colocada naquela situação de observação, ela é um personagem de si mesma, não importa o que ela faça. Porque o cara está te vendo como uma representação de alguma coisa. Está todo mundo ali expurgando, refletindo seu eu mais interior na tua figura. Você é um símbolo, está apontando para outra coisa. Então, se você é sincero, fica sendo o personagem “sincerinho”. Ainda não aprendi a jogar esse jogo.
–Hoje, moro no Leblon, mas fui criado em Jacarepaguá, sempre estudei lá, morei lá. Sempre fui meio classe média, assim, meio do bolo. Sempre tive uma capacidade de adaptação muito grande. Nunca me causaram problemas os desafios da escola, sabe? Ou os desafios sociais. Nunca contestei muito. Sempre me adeqüei à ordem vigente. Fazia as provas; passava sem muito esforço, entendeu? Mas a escola é um momento muito solitário de qualquer ser humano, não é, cara? Porque você é obrigado a conviver com um grupo de pessoas de interesses muito distintos dos seus. Todas da mesma idade, aprendendo coisas nas quais não estão interessadas. Eu vejo agora os males que a escola me fez, entendeu? Porque é um rescaldo tão grande que você demora muito tempo mesmo para desaprender. A escola acostuma a pessoa a não ter autonomia, ou seja, ela não sabe o que é um problema para ela, entendeu? Ela herda um problema de uma pessoa que não é ela e se acostuma a resolver o problema de acordo com o que a pessoa quer.

–Já, já fui casado sim, com jornalista. Sim, uma vez só. Olha, cara, foram cinco anos. Você não quer falar dela, quer? Sei... Há quanto tempo eu terminei? Tempo é uma parada meio complicada para mim. Sou meio ruim de tempo, cara... Ah, não quero falar sobre isso, não. Não quero falar sobre isso, não.
–É maluco o interesse pela vida privada dos outros. Sempre achei uma espécie de doença, como se a pessoa precisasse dialogar com uma força externa que chancelasse ou não seu próprio comportamento. É a parada do Goethe, que disse “se eu não tivesse o mundo inteiro dentro de mim, ficaria cego quando abrisse os olhos”. Tem muita gente que negocia seus trabalhos sobre essas bases, mesmo. Que convida imprensa pro seu casamento, fala da família, mostra a casa, sei lá, qualquer merda desse tipo. Para mim, o próprio exercício de dar uma entrevista já é uma coisa difícil. Porque as coisas que eu falo nas músicas já são a parcela que escolhi para ser exposta.
–Acho que a imprensa não deveria transformar isso em assunto, as pessoas deveriam estar interessadas em outra coisa. Acho que a imprensa não tem o poder de dizer o que as pessoas vão pensar das coisas, mas ela diz sobre que coisas as pessoas vão pensar. Essa idéia de que existe uma demanda por isso é o maior caô [mentira]. Se você colocar uma pessoa sendo degolada no “Jornal Nacional”, vai bater recorde de audiên-cia, a gente sabe disso. Mas isso não significa que as pessoas querem ver essa cena. É só um jogo fácil, é vencer pelo pânico, é que nem colocar gordura na comida.
–Sobre a Mallu Magalhães? Tenho que te dizer que não te interessa. Não importa, cara, não importa.

-Não, não acho que tenho legião de fãs. Muita gente tem uma predisposição a gostar, sim, mas eu acho que esse pessoal tem um senso crítico grande. Eu acho que eles são bastante criteriosos, sabe? Posso estar enganado, mas tenho a impressão de que eles não gostam de qualquer coisa. Todo mundo que exerce uma profissão ao longo de alguns anos ganha qualificação e por isso tem um respeito, sei lá, consideração das pessoas. Por já ter feito alguns discos que as pessoas gostam com o Los Hermanos, e agora ter feito esse CD, também. Então, essas pessoas esperam coisas boas de mim, jogam para cima o que ouvem.

-Se eu nunca me canso? De ser intenso demais? Cara... Não. De ficar associando as coisas? Não tenho escapatória. Mas essa parada é totalmente relaxadona. Você acha que nosso papo está muito abstrato? Então, nada melhor. Nada mais eu, cara, do que isso.

Quem é ele por FABIO RIGOBELO

Marcelo de Sousa Camelo nasceu no Rio de Janeiro em 1978. Cresceu e estudou no bairro de Jacarepaguá, na região oeste da cidade, e conheceu os amigos com quem viria a formar a banda Los Hermanos na PUC-RJ, onde cursou alguns semestres de jornalismo.

Formado em 1997, o então quinteto usava o peso do hardcore e do ska para emoldurar letras sobre amor e relacionamentos. O primeiro disco do LH, lançado em 1999, vendeu cerca de 300 mil cópias graças ao hit sessentista “Anna Júlia”, que ganhou versões diversas e foi a música mais tocada nos trios elétricos baianos em 2000.

A grande mudança no som da banda veio com o segundo disco, “Bloco do Eu Sozinho” (2001). A mistura de indie rock com elementos do samba e da bossa nova, aliada às letras de Camelo e de Rodrigo Amarante, o outro compositor do grupo, foi a fórmula mágica para a horda de fãs que passou a acompanhá-los.

Os álbuns “Ventura” (2003) e “4” (2005) consolidaram o prestígio de Camelo como compositor. Maria Rita, Fernanda Porto, Roberta Sá, Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Virgínia Rosa e Jim Capaldi (da banda Traffic), entre outros, já gravaram composições suas –Capaldi, inclusive, convidou o beatle George Harrison (1943-2001) para tocar em sua versão em inglês de “Anna Júlia”.

Em maio de 2007, a banda anunciou um “recesso por tempo indeterminado”. Em setembro de 2008, Camelo lançou seu primeiro disco solo, “Sou”, com participações de Dominguinhos, Mallu Magalhães e da banda paulistana Hurtmold, entre outros.

Ele 30, ela 16 por LÚCIO RIBEIRO

Há algum tempo longe dos companheiros de Los Hermanos, Marcelo Camelo estabelece agora uma nova parceria, musical e além. A cena roqueira e o mundo das celebridades têm comentado nos últimos dias, cada um a seu modo, o “affair do ano”, o namoro entre Camelo e a cantora-fenômeno teen Mallu Magalhães. Ele 30, ela 16.

Mallu participou do esperado disco solo de Camelo. Cantou na faixa “Janta”, que compuseram em parceria. Dividiu com ele o palco durante a primeira execução pública da “música dos dois”, em setembro, em um festival de Recife.

Não foi lá que o romance aconteceu, mas foi ali que germinou. Camelo, convidado para ser a estrela do festival No Ar Coquetel Molotov, pediu à organização para incluir Mallu na escalação do evento. Ela fez duas apresentações, uma com a banda dela, outra com a banda dele. Durante “Janta”, Mallu não agüentou, desatou a chorar e abraçou o músico.

O romance estava às claras. Camelo e Mallu viam os shows do festival abraçados, atrás do palco. A amigos, o músico dizia que, entre os dois, estava tudo certo dentro da lei e dentro do coração. A cena do choro e do abraço correu fervorosamente o YouTube nos dias posteriores.

Na última semana, depois de fotografados na saída de um show de Camelo no Rio, o caso virou polêmica nacional.

Romances com diferenças de idade não são exatamente novidade nem na música brasileira nem no rock. Caetano Veloso se casou com a produtora e atriz Paula Lavigne quando ela tinha 17. Ele, mais de 40. Bill Wyman, baixista do Rolling Stones, começou o namoro com Mandy Smith na época em que a menina tinha 13 anos. Ele, 47. Elvis Presley ficou com Priscilla Presley quando ela tinha 14. Ele, 24.

MALLU MENINA

Mallu tem tido um ano fervoroso. No já conhecido como “os 10 meses que abalaram a música brasileira”, a cantora, violonista, pianista e gaitista, que se destaca pelas canções de apelo pop e clima folk, e canta em inglês, português e francês, foi de cantora-indie-ninguém (janeiro) à realidade nacional (novembro), com direito a paparazzi para esmiuçar fora do palco sua ainda curta vida.

Do Clash à “Caras”. O que aconteceu entre a Mallu-ninguém e Mallu-“celebrity” a transforma no maior e mais rápido fenômeno musical brasileiro da história recente. Hoje, a pequena grande carreira de Mallu acumula participações em programas da Globo, atuações em grandes festivais do país (ela dividiu o palco principal do Planeta Terra com Jesus & Mary Chain e Offspring!!!), convites para aparições em premiações musicais de todo o tipo, um recém-lançado primeiro disco de produção internacional, vinhetas da MTV, canção em comercial nacional de TV.

Mallu, 16, já se casou com a música.

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