São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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FINA

Alguma coisa acontece no coração da apresentadora e musa Renata Vasconcelos

por MÁRIO MAGALHÃES

RENATA VASCONCELOS
A MUSA DA MANHÃ

De segunda a sexta ela faz tudo sempre igual: acorda às 4h15 e segue para os estúdios da Rede Globo, onde apresenta o telejornal "Bom Dia Brasil"; no tempo que resta, deleita-se com fados e poesia

Alguma coisa não combina neste bistrô do Jardim Botânico com nome italiano, cardápio afrancesado e standards da canção americana tocando baixinho.
E não é nada com a mistura que resulta na casa acolhedora e no repasto de honesto a inspirado.
A comensal do outro lado da mesa ouviu o despertador às 4h15, contudo não maldiz a existência. Dorme menos do que gostaria, e olheira nenhuma a trai. Louva o sabor de pastéis de Belém traçados além-mar e está prestes a devorar um tiramisù –nem por isso os fantasmas da balança lhe roubam um naco de sono.
Também não são essas as fontes da estranheza.
A jornalista Renata Vasconcelos, 37, separaria um disco –qualquer um– do Madredeus para levar ao clichê da ilha deserta proposto pelo interlocutor, que dá de ombros ao grupo português: "É triste". "Mas é lindo", ela rebate.
Livro, carregaria uma coletânea de poetas portugueses e brasileiros, na qual não esqueceria o lisboeta Fernando Pessoa. Leu recentemente "Estive em Lisboa e Lembrei de Você", de Luiz Ruffato.
A apresentadora e editora do "Bom Dia Brasil", primeiro dos quatro noticiários nacionais da TV Globo a ir ao ar de segunda a sexta, evoca Eça de Queirós, nomeadamente "A Cidade e as Serras". Consagra o Rio como hors-concours, elege Lisboa e Paris como redutos prediletos.
Até os quatro anos de idade, entre idas e vindas por conta do doutorado do pai engenheiro na capital portuguesa, Renata falou com acento alfacinha, como são chamados os locais.
Perambulava pelas bordas do Tejo à época em que os cravos coloriram de vermelho as ruas ancestrais e a ditadura salazarista se consumiu em abril de 1974. Sem entender o alarido do "povo unido" das praças, ecoava: "O ovo, unido...".
A cultura da família materna oriunda de Portugal temperou-a de tal modo que Renata, protegida pela discrição do lar, cantarola fados, ainda que sem o talento da mãe advogada. "São tão bonitos", reverencia. O último que a deliciou foi um de antologia, "Lágrima", recriado na voz de Dulce Pontes.
Como evidenciam os versos derradeiros, "Lágrima" forma no elenco das canções não prescritas aos de coração avariado, sob o risco de desmiolar a cabeça: "Se eu soubesse que morrendo; tu me havias de chorar; por uma lágrima tua, que alegria; me deixaria matar".
"Triste pra burro, mas fascinante", rende-se Renata, rasgando mais um sorriso arrebatado.

A POESIA DAS COISAS
Está na cara o que não combina: o espírito solar que nela os colegas reconhecem e a devoção a um imaginário melancólico como o da antiga corte. "Tenho gosto pela poesia das coisas, o que nem sempre se manifesta de forma vivaz e alegre", ela diz. "Às vezes, é uma melancolia necessária, uma introspecção da alma, para perceber as coisas, saber olhar."
"Não somos para baixo, pelo contrário, mas tem uma coisa de não ficar tudo muito cor-de-rosa", emenda dias depois a estilista Lanza Mazza, 20 minutos mais velha e –para iniciantes– idêntica à irmã gêmea Renata.
A semelhança inclusive das vozes propiciou-lhes traquinagens juvenis. Para dar o fora em um namorado de Renata, Lanza despachou-o por telefone como se a outra fosse. "Ela foi sensacional, 'eu' nunca fui tão objetiva e fria", deleita-se a jornalista.
Por conta da exposição de Renata no jornal assistido por 12 milhões de telespectadores a cada dia, Lanza passa por apertos diante dos incapazes de notar que nela a pinta se esconde no lado direito do rosto, e não no esquerdo, como no da irmã. Em um restaurante, festejaram-na: "Adoro sua altivez, Renata!".
Para conhecer a companheira do editor-chefe Renato Machado na bancada do "BDBR", como o programa é tratado no jargão da emissora, convém cotejá-la com a gêmea –elas têm um irmão mais novo. "Nós duas somos muito sensíveis, mas eu sou mais romântica, e a Lanza é muito pragmática", diagnostica Renata.
A chefe de estilo da grife Mara Mac confidencia que na adolescência, antes de cursar jornalismo na PUC-RJ, a irmã considerou ser escritora. Durante a faculdade, Renata frequentou aulas de moda no Senai. Com a gêmea, estrelara campanhas publicitárias, mas a carreira de modelo não a cativou –ela preferia escrever. A vocação para desenhos e tesouras era mesmo de Lanza, que acabou por criar o vestido com que a jornalista se casou nos conformes da igreja.
Consequência do empenho em preservar a intimidade, Renata ainda é descrita em perfis na internet como casada, embora tenha se divorciado há mais de dois anos, ao fim da união de 11 com um empresário. Ela mora com os filhos Antônio, 10, e Miguel, 8, em um apartamento próprio no Alto Leblon.
Quando eles nasceram, a mãe acumulava alguns verões no jornalismo. Em seu primeiro trabalho,  Renata integrou a turma de focas –os jornalistas dentes-de-leite– da Globonews, canal por assinatura que deu a largada em 1996. Estreou na TV de sinal aberto com uma reportagem no "Hoje". Passou pelo "Fantástico". Em 2003, tornou-se efetiva do "Bom Dia Brasil". Apresenta o "Jornal Nacional" um sábado por mês –no janeiro de tragédias, foram duas semanas.
Nesses dias, dispensa a rotina iniciada às 4h15. Com o alarde do relógio, ela pula da cama e corre para o banho. Ganha tempo ao se maquiar sozinha, em casa, e não no estúdio. Aposentou batons, pelo menos na forma que um cavalheiro convencional o identifica: pincela os lábios com um protetor e um lápis cor da boca.
Veste roupas suas, e não da emissora, as mesmas que exibe longe do estúdio –Mara Mac, Maria Bonita, blazer Armani, no estilo que a irmã qualifica como clássico. Menos de uma hora depois, beija os filhos que dormem. Sai ao volante do seu carro, seguida por um veículo da TV. Até as 5h30 está na redação, onde repassa o roteiro, vulgo "cineminha", da edição. Entra no ar às 7h15.
Só após a despedida, no limite às 8h13, ela interrompe o jejum no café com a equipe e termina de ler quatro diários impressos. Ainda não rugiu o apetite com que de vez em quando raspa um copo de Nutella.
A seguir, os jornalistas se debruçam no planejamento da manhã vindoura. Não é raro Renata ir à rua pelas 11h, agora na pele de repórter. No começo da tarde volta para casa.
Ela se encantou com as letras, flertou com a moda, mas foi o jornalismo que a conquistou: "É bacana a curiosidade que te leva a ter vários caminhos, melhorar a vida das pessoas, mudar situações que não estão legais e contar boas histórias, bons exemplos, boas notícias".
Às virtudes que embalaram sua ascensão, como domínio técnico do veículo e estofo cultural, ela somou uma dádiva: garante lugar cativo na constelação em que Márcia Mendes fulgurou na década de 1970 e Valéria Monteiro na de 1980 –a das musas dos telejornais brasileiros.
De perto, é igualzinha à personagem que aparece de corpo inteiro na tela. Come de tudo e jura ignorar o peso –Lanza está com 58 kg para o mesmo 1,71 m de altura. Sobre os centímetros de sua cintura, Renata graceja: "E eu lá sei? Acha que vou me medir?" –o manequim da irmã é 40.
No fim da tarde, malha na academia, se possível. "Não faço por prazer, mas porque preciso dar uma suada para liberar a tensão."
Houve uma quadra em que combateu a ansiedade com remédios para dormir. Trocou-os por uma taça de vinho tinto antes de fechar os olhos. Jamais perdeu a hora. Mas já se permitiu chegar virada ao trabalho e encarar as câmeras sem ter cochilado um segundo na madrugada.
Antes dos 30 anos, não vingaria tal licença, assinala. "Aos 30, você avalia o que vai tirar da bagagem, o que está pesando, pode ousar mais. Como abrir mão de uma noite sem dormir, mesmo que tenha que trabalhar na manhã seguinte. Seja para estar com o filho que não consegue adormecer ou com alguém que você ama." Renata tem namorado, que não é famoso.
Ela incensa "as pequenas transgressões dos 30" e descortina um futuro afortunado: "Hoje em dia a balzaquiana é a de 50. Ainda dá tempo para mim".
Cultiva marcas da idade: no cabelo que nunca pintou, fios brancos se insinuam; olheiras não se veem, mas Renata assegura que existem. "Há uma máscara aqui que cobre tudo", entrega à mesa do almoço no Bistrô Lorenzo, apontando a maquiagem que sobreviveu à apresentação do "Bom Dia".
Em dezembro, ela anunciou no jornal o triunfo épico do Flamengo no Campeonato Brasileiro: "Foi sofrido, foi dramático (...). A agonia acabou ontem!". Mera concessão de profissional. A leitora que cultua Eça e Pessoa, a dama de alma lusitana, torce –o que se há de fazer– pelo Vasco da Gama.

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