São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

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Aula bombom

"Sou matemático, analista de sistemas e professor. Comecei a dar aulas, em 1989, num colégio da zona norte de São Paulo e, no ano seguinte, numa universidade em Guarulhos (SP). Durante os três primeiros anos de profissão, sentia-me gratificado com o que podia fazer e com a dedicação dos alunos às minhas aulas. Nunca usei malabarismos em minhas aulas, apenas retroprojetores, slides, trabalhos em grupo e individuais. Tudo aplicado de acordo com a necessidade. Hoje, minha postura é considerada ultra-ortodoxa. Paulatinamente, propor pesquisas, leituras e desafios, fora ou dentro da sala de aula, tornou-se heresia. O aluno deve entrar e sair sabendo tudo o que foi dito, o que nos leva a falar pouco e do jeito mais simples e a evitar a necessidade de maturação e reflexão. Perdi o interesse, não conseguia dar as aulas na faculdade. Faltava pelo menos uma vez por semana. Ficava doente -de verdade- pelo menos uma vez por mês. Hoje, o professor não trabalha com alunos, trabalha com famílias, comunidades, grupos que compram um produto. Abre-se o pacote, consome-se e fim. Fui demitido de uma escola particular em junho. Ali, propor reflexão, labor, leitura, nem pensar. Aula tem de ser bombom: você abre, dá duas mordidas e fim. O professor cumpre sua "missão" e o aluno sai sabendo. Propunha que discutissem temas, lessem textos em sala e fora dela. Isso foi considerado "não explicar a matéria". Sugerir que pensassem na resposta ou que a procurassem nas anotações foi interpretado como "se negar a responder as dúvidas do aluno". Eles venceram -a escola, a família e os alunos e, por que não dizer, também os professores bem adaptados à idéia de que aula tem de ser cinema vagabundo, música fácil ou qualquer outra coisa que você possa consumir com o cérebro desligado."


Jorge da Silva Medeiros, 39, atualmente trabalha como analista e programador de sistemas em São Paulo


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