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Fadi Chehadé

América Latina é 'culpada' por bons ventos na internet

Presidente da icann, um dos órgãos que controla a REDE, vem ao brasil Neste mês para discutir a governança da internet

BRUNO FÁVERO DE SÃOPAULO

Quando vieram a público as denúncias de que o governo dos EUA havia espionado políticos brasileiros --e de outros países--, Dilma Rousseff discursou na ONU pedindo mudanças na administração da internet. Fadi Chehadé, presidente da Icann, uma das organizações que controlam a estrutura da rede, se identificou com o discurso e falou com a presidente. Do encontro nasceu o NETmundial, evento com sede em São Paulo nos dias 23 e 24 que reunirá representante de ao menos 79 países para repensar as regras em vigor hoje.

Em entrevista à Folha, Chehadé falou sobre o que espera do evento, defendeu medidas para democratizar a internet e disse que considera a América Latina e o Brasil o "centro do novo mundo" na reformulação da rede.

Folha - A função do NETmundial será repensar a governança da internet. Qual o problema com ela hoje?

Fadi Chehadé - A estrutura e as instituições que administram a internet funcionam muito bem nas áreas técnicas, mas precisamos estendê-la para dar conta do crescente número de questões relacionadas não à parte técnica, mas a como usamos a internet. A governança da rede pode ser mais global, mais inclusiva.

Você acha que o controle da internet é excessivamente concentrado nos EUA?

Eu diria que sim, nos Estados Unidos e no mundo ocidental, porque foi onde a internet nasceu. Tem sido feito um enorme esforço para expandir esse controle, mas eu francamente diria que ainda não chegamos lá. Temos que fazer mais para nos assegurarmos que Ásia, Africa, América Latina, Oriente Médio, entre outros, também participem da governança.

Como tornar o controle da internet global sem correr o risco de que países com histórico de censura a prejudiquem?

Os medos de que a internet fique mais fechada, vocalizados nos EUA nas últimas semanas, são reais. A única solução é o modelo multissetorial, que assegura que nenhuma parte, como os governos, por exemplo, tenha sozinha o controle da governança da rede. Esse modelo dá participação equânime a governos, setor privado e sociedade civil na tomada de decisões. Mas temos que aumentar a base de participação. As críticas que recebemos não são sobre o processo ou a abordagem, mas de que a base é centrada nos EUA e na Europa.

Por que o Brasil foi escolhido para receber o NETmundial?

O Brasil está no centro do novo mundo. É um país progressista, democrático, aberto e que está fazendo um ótimo experimento em nível nacional do modelo multissetorial. Eu tenho mandado país atrás de país para visitar o CGI [Comitê Gestor da Internet, órgão que regula a rede no Brasil]. É perfeito? Não, mas é melhor ser ousado, progressista, engajado do que só ficar olhando e analisando o que acontece. Quando encontrei a presidente Rousseff, vi que ela e seu país compartilham dos mesmo princípios que tornaram a internet possível. Igualdade, abertura, inclusão, isso é o Brasil.

Foi dito que o governo brasileiro proporá um Marco Civil mundial, no molde do brasileiro. O que acha da ideia?

A ideia de uma carta global de direitos da internet é boa, mas não chegamos no ponto de formulá-la ainda, será necessário mais trabalho para chegar lá. Há vários esforços para fazer isso. [O criador da web] Tim Berners-Lee começou, com a Fundação McCarthy, a tentar escrever uma. É um caminho longo e importante. No NetMundial, porém, o foco não é tanto essa carta, mas elaborar uma série de configurações universais para a governança. Eu acho que são coisas diferentes, que devemos focar. Agora, eu acho que, eventualmente, teremos uma carta de direitos, mas é um caminho longo.

Mesmo com o controle da internet mais global, os EUA ainda terão as maiores empresas e a maior estrutura de internet. Como equilibrar isso?

Outros países podem fazer isso de duas formas. Primeiro, garantir que qualquer um possa usar a plataforma para inovar, sem nenhuma limitação. A ideia de que qualquer um pode cair na estrada' e construir aplicações não pode ser extinta. Se for, a habilidade do resto do mundo alcançar os EUA será limitada. Segundo, é preciso investir.

O que impede as pessoas de participarem da rede hoje?

O Boston Consulting Group liberou um estudo em janeiro que lista 65 fatores que limitam a abertura da internet, que chamaram de "atritos". São problemas de estrutura, de política, de conteúdo, de todo o tipo. O estudo mostra que alguns países perdem até 2,5% de seu PIB por esses atritos. Precisamos ter certeza de que pessoas, sociedade e governos não imponham barrei à internet que afastem as oportunidades econômicas que ela proporciona.

O que são esses atritos?

O mais simples que eu me lembro agora é infraestrutura. Na África, por exemplo, é muito difícil que as pessoas tenham banda larga, o que dificulta que abram empresas e desenvolvam aplicações. Há também atritos relacionados à política, quando países criam burocracias que tornam mais difícil para as pessoas participarem da internet. Em alguns países, para conseguir um endereço de site, por exemplo, você precisa mandar documentos por fax e esperar semanas.

E que tipos de investimentos precisam ser feitos?

Precisamos de investimento focado em permitir que mais gente participe da internet. Na Europa e nos EUA, há programas para estimular o empreendedorismo, e o mesmo precisa acontecer na América Latina, na África, em todo o mundo. Precisamos que investimentos fluam, e que gente jovem e inteligente do mundo todo participe desse processo. Isso vai levar um tempo, mas, quando acontecer, você vai ficar surpreso com o quão rápido o resto do mundo vai alcançar os EUA. A beleza da internet é a velocidade com que você pode inovar.

Qual você acha que será o maior desafio nas discussões do NETmundial?

Ter legitimidade. A internet é transnacional, sem fronteiras, o que é desafiador. Como você faz um conjunto de regras legítimo que é verdadeiramente transnacional e, ao mesmo tempo, garante que ele seja legítimo nacionalmente? É uma coisa muito sutil. Tem um monte de gente que sai gritando que a internet é global e que, portanto, está acima da ideia de governo nacional. Eu não acredito nisso. Precisamos encontrar, e esse é o maior desafio, um modelo de governança que entenda a esfera global, mas respeite as esferas regional, nacional e, em alguns casos, até local. Se não conseguirmos isso, o maior perigo para a internet será uma crescente fragmentação.

Mudanças na governança da internet têm sido discutidas há anos, por que estão acontecendo agora?

A "culpa" é da América Latina. Há ventos soprando daí que estão mudando as coisas. Tudo começou num encontro entre as organizações que cuidam da estrutura da internet em Montevidéu e depois continuou quando eu encontrei a presidente do Brasil [em outubro]. O avanço que nós vimos começou na América Latina, o coração progressista e democrático.

Qual será o papel do NETmundial nessas mudanças?

Nós precisamos estabelecer princípios para a governança da internet e, uma vez que eles estejam estabelecidos, elaborar um plano de ação. As pessoas estão cansadas de só ter princípios e nenhuma ação. O evento no Brasil, eu espero, vai nos dar esse plano de ações. O evento no Brasil não vai ter caráter de decisão, mas vai ajudar.

O NETmundial não é o fim, é o começo. Asseguro que há muita gente com energia esperando esse plano de ações ser concebido para agir.

Não foram as denúncias de Edward Snowden sobre a espionagem americana que alavancaram essas mudanças?

Não, nós começamos a trabalhar nessas mudanças quando Snowden ainda estava no colegial [risos]. Mas as relevações trouxeram a discussão sobre governança da internet para o centro da agenda geopolítica, precisamos ser intelectualmente honestos com isso. O assunto passou a ser discutido por líderes mundiais e executivos. Na verdade, a discussão sempre esteve aí, mas subiu no ranking de prioridades. Mas isso também é por causa do valor econômico, social e político que a internet tem.

Na sua avaliação, as revelações tiveram saldo positivo ou negativo para a internet?

Ambos, eu acho, dependendo de como olhamos. Revelações como essas são esclarecedoras; surpresas sempre são. Mas ao mesmo tempo mostra que o poder da internet pode ser usado de maneiras diferentes e que precisamos estar alertas. Também põe mais responsabilidade em cada indivíduo. Eu espero que isso crie uma consciência tanto entre adultos, quanto entre jovens e idosos que usam a rede.


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