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Daniel Pellizzari

Anatomia de um planilheiro

Lembro de jogar por 13 horas seguidas num domingo; foi quando decidi que: nunca mais

Existe um determinado tipo de pessoa que sofre de uma atração letal pela possibilidade de melhorar números numa tabela.

Uma compulsão quase patológica de não medir esforços para ver um 15 se tornar um 31 no menor espaço de tempo possível, detonando uma overdose de endorfina.

Há quem consiga direcionar essa tendência para fins economicamente mais pragmáticos, mas estou pensando num subgrupo específico dessa população: os viciados em jogos baseados em planilhas.

Em certo momento de 2001 prometi a mim mesmo que nunca mais tocaria em qualquer tipo de simulador de técnico de futebol. Nos meses anteriores, eu tinha dedicado quase todo meu tempo livre a "Championship Manager", e isso que minha relação com futebol é apenas casual.

Lembro de jogar por 13 horas seguidas num domingo, sendo que nas últimas três fiquei o tempo todo em pé. Só mais uma partida. Só mais uma chance de melhorar uns numerozinhos. Foi quando decidi que: nunca mais. É preciso determinar alguns limites na vida.

A série continua viva até hoje, agora atendendo por "Football Manager" e mais cheia de detalhes e planilhas do que nunca.

E, claro, continua tendo um efeito semelhante ao consumo de crack em determinadas pessoas. Sei disso por intuição e porque, como bom "junkie" em remissão, às vezes faço visitas à página do jogo no Steam. Só uma olhadinha, sabem como é.

E nessas visitas descubro pessoas como LooneyToadQuack, que não apenas me mostram que não estou só (isso eu já sabia), mas que as coisas poderiam ser bem piores (o que é difícil de imaginar). LooneyToadQuack tem registradas no Steam 648 horas de dedicação a "Football Manager 2014", a última edição do jogo. É bastante, claro.

Mas ele tem 2.545 entregues ao jogo de 2013, 2.612 enterradas em "FM 2012" e 1.252 em "FM 2011", 3.378 sacrificadas ao altar blasfemo de "Football Manager 2010" e, para arrematar, 1.163 horinhas cravadas na edição de 2009.

Ocorre que nosso amigo LooneyToadQuack não começou a jogar a série em 2009. Isso é apenas o que o relógio inclemente do Steam gravou. De acordo com ele próprio, dedicou tempo semelhante a todas as edições desde o final dos anos 1990. Tentei calcular quanto tempo de encarar planilhas isso significava, mas desisti quando passou de três anos e senti pontadas de taquicardia. LooneyToadQuack: um herói, um mártir, um alerta, um farol para a humanidade. (Obrigado por tudo.)

Assim como viciados em heroína em tratamento fazem uso de metadona, controlei a síndrome de abstinência com "Princess Maker 2", um dos prazeres secretos de parte dos viciados em jogos baseados em planilhas. Aos poucos diluí a compulsão, me contentando com a fissura rápida e certeira de melhorar números usando "grinding" em JRPGs. Sempre com cautela.

Poucos anos depois descobri a Paradox e os jogos de "grand strategy", que aliam cornucópias de planilhas com outra de minhas fraquezas: cenários históricos, com a possibilidade suculenta de brincar com história alternativa.

Não preciso nem dizer o que aconteceu. A luta contra a dependência nunca tem fim.


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