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Luli Radfahrer

Gente como você

Sistemas de recomendação podem facilmente transformar você em "alguém como você"

"Pessoas que compraram o seu notebook adquiriram esses acessórios." "Se você gostou desta página, deverá se interessar pelos links a seguir." "Fulano, Sicrano e mais 35 amigos curtiram este conteúdo no Facebook." Sem alarde, sistemas automáticos de recomendação marcam cada vez mais presença em blogs, redes sociais e serviços de comércio eletrônico, na forma de simpáticos e prestativos ajudantes.

Sua indicação costuma acontecer no momento preciso, assim que o conteúdo foi assimilado, o contato foi feito ou a transação comercial foi concluída, dando acesso a novas opções interessantes, complementares, que não teriam sido encontradas sem a sua ajuda. A descoberta assistida é tão comum que nem chega a ser uma descoberta.

Tal conveniência traz um risco embutido. Para garantir a "eficiência" das recomendações, Facebook, Google, Amazon e tantos outros filtram descaradamente os resultados de suas pesquisas e indicações com base em hábitos e preferências de usuários, valorizando os links com boas probabilidades de serem clicados, garantindo, com isso, a audiência (e a exposição a anúncios).

Por mais que essa lógica simplória faça sentido para algoritmos, ela pode se transformar em um severo limitador da inteligência e criatividade humanas. Não é preciso grande conhecimento da dinâmica social para constatar que opiniões contrárias tendem a ser menos procuradas e acabam censuradas.

O resultado é um ambiente harmonioso e uniforme, digno do shopping center em que a rede vem se transformando. O usuário, inconsciente da seleção, acredita que o conteúdo encontrado representa uma busca real na internet, e, com o tempo, passa a ter uma visão de mundo restrita e infantilizada, similar à de ambientes de fanatismo e de países com a mídia controlada, locais em que não há, nas pessoas ou nas expressões, nada que desagrade. Muito pelo contrário.

Ao eliminar o encontro fortuito com o desconhecido e com opiniões contrárias, a curadoria automática (e pragmática) minimiza conflitos e reduz o usuário à condição de consumidor passivo de conteúdo. Como todo consumidor, esse também pode ser segmentado pelo marketing em grupos de interesse e devidamente empacotado para comercialização publicitária. A única diferença dele para o telespectador é a ilusão da escolha de conteúdo.

É uma pena. A internet, que em seu início prometia ser um refúgio da liberdade de expressão, hoje corre o risco de se tornar um coletivo de mídias de massa, condicionando seus espectadores a uma assimilação bovina de mensagens.

Antes do Orkut e do Facebook, os perfis e home pages individuais, por mais bizarros que fossem, eram particulares. Myspace e Geocities, extravagantes como a moda dos anos 1960, diziam bastante a respeito da personalidade de seus criadores. Hoje, essa expressão foi catalogada e domesticada. Um perfil não é muito diferente de um crachá.

Cada vez que sistemas de recomendação indicam produtos, links ou comportamentos que "pessoas como você" aprovam, eles contribuem para consolidar as riquezas individuais em estereótipos genéricos, amorfos e mercadológicos. De recomendação em recomendação, podem facilmente transformar você em "alguém como você".

folha@luli.com.br

ANDRÉ CONTI
escreve neste espaço na próxima semana

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