São Paulo, quarta-feira, 05 de janeiro de 2011

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ANDRÉ CONTI

Nos tempos da BBS


Se as seções de comentários de hoje parecem banheiro de rodoviária, imagine os primeiros anônimos da rede

A INTERNET não surgiu do nada, claro. O aspecto tecnológico da coisa -transmissão de documentos, mensagens e programas- foi montado sobre o esqueleto da Arpanet, uma rede criada no fim da década de 60 que interligava algumas universidades e agências governamentais americanas. Muitos dos sistemas que usamos até hoje, como o e-mail e os protocolos de acesso a internet e outras redes, foram desenvolvidos lá.
Mas a Arpanet era uma rede restrita, funcionando principalmente em laboratórios de informática, num momento em que a computação pessoal começava a explodir nos Estados Unidos. Ao fim da década de 70, os hobistas, como eram chamados, já montavam seus PCs em casa, a partir de kits rudimentares. Logo depois vieram os primeiros computadores "prontos", de marca.
Questão de tempo até que os usuários começassem a conectar seus computadores. Dois amigos hobistas, Ward Christensen e Randy Suess, inventaram o xmodem, um programa que servia para trocar arquivos à distância, pela linha telefônica. Tempos depois, esses mesmos amigos, presos em suas casas por uma nevasca, tiveram a ideia para um sistema que permitisse uma troca de mensagens coletiva entre os hobistas.
Funcionava como uma secretária eletrônica: o usuário se conectava ao sistema e deixava uma mensagem escrita, sobre um assunto qualquer. O próximo usuário se conectava e respondia, e assim por diante. Em algumas semanas (ou meses) você teria uma conversa razoavelmente longa e coerente. Surgia, em fevereiro de 1978, a CBBS, o primeiro "bulletin board system" do mundo.
Como bastava um computador e uma linha telefônica para colocar uma BBS no ar, em pouco tempo já havia dezenas delas e, no auge, em meados dos anos 90, as BBSs chegaram a 150 mil, só nos EUA.
O sistema também se desenvolveu, incorporando chat ao vivo entre usuários e mecanismos de troca de arquivos, por exemplo. Quando o sujeito queria jogar algum lançamento, ele entrava na BBS da própria fabricante do jogo e baixava uma demonstração. A primeira BBS pirata não tardou. Pornografia e esoterismo vieram logo atrás.
O mais impressionante, todavia, era o sentimento de comunidade. Pertencer a uma BBS significava pertencer a um clube restrito, com regras e linguagem próprias. Assim como na internet hoje, já havia usuários lendários, rixas históricas entre grupos e BBSs, movimentos artísticos, políticos, o diabo. E, se hoje a seção de comentários dos sites e dos blogs parece uma porta de banheiro de rodoviária, imagine como procederam os primeiros anônimos da rede.
A internet matou as BBSs. Não havia sentido em continuar acessando uma dezena de sistemas pulverizados enquanto surgia uma única rede mundial, que ainda incorporava o melhor daqueles sistemas. Os usuários de BBS migraram em massa para a internet, levando com eles o mesmo sentimento de comunidade que haviam cultivado antes. E, se por um lado a internet não existiria sem a Arpanet, ela seria um ambiente mais árido e menos criativo sem a invasão da mentalidade das BBSs.
Há um excelente documentário sobre o assunto, feito pelo Jason Scott (volto a falar dele), que pode ser comprado diretamente do diretor em www.bbsdocumentary.com.

chorume.org

@andre_conti



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