São Paulo, quarta-feira, 05 de outubro de 2011

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LULI RADFAHRER

Um caminho para Hollywood


Uma fusão entre filmes e games, com narrativas interativas, tiraria o cinema do marasmo atual

MUITA GENTE culta e bem informada sabe mais a respeito de "Lanterna Verde" e de outros blockbusters do que gostaria. Com variações sobre a fórmula que eleva efeitos especiais a um gênero de arte enquanto coloca o roteiro a serviço do merchandising, o cinema de Hollywood é decadente. É cada vez mais raro o filme que não sacrifique sua história e seus personagens em função de uma política gananciosa de marketing de curto prazo.
O que houve com o cinema? O que aconteceu com as histórias de sujeitos fascinantes de ética discutível?
Onde foram parar os descendentes de Don Corleone, James Bond, Norman Bates, Dumbo? Será que se aposentarão com Clint Eastwood?
Os heróis atuais, cosméticos e sarados como bonecos de plástico, são esquecidos rapidamente à medida que os atores encenam outros papéis igualmente pobres.
E as salas enormes, que já foram castelos de sonhos e hoje parecem LAN houses de vídeo? Virarão coisa do passado? Ou se transformarão, todas, em igrejas?
Não adianta 3D, Imax e Dolby Surround sem uma boa história, diria qualquer defensor do cinema. Só uma narrativa envolvente pode arrancar as pessoas de sua vida cômoda. Ninguém continua o mesmo depois de conviver, mesmo que só por algumas horas, com gente intensa e circunstâncias impensáveis. Não há superpoder mais transformador do que a tragédia. Todos os grandes diretores e roteiristas expuseram o incomum. Aquele que, quando era limpo, ficava ainda mais apavorante. Como a nave de "2001" ou a bolha de Truman.
Não mais. O cinema de Hollywood se Facebookou, e o do resto do mundo segue a mesma trilha. A telona e suas telinhas em Blu-ray mostram cada vez mais gente besta, lipada, botocada e siliconada, banal em sua vidinha, tentando marcar presença com frases de efeito. Os roteiros que tiravam seus espectadores do cotidiano agora o revivem. Não espanta que muitos conversem ou liguem seus telefones.
Mas poderia ser diferente: imagine-se na pele de um policial de valores questionáveis como Alonzo Harris (Denzel Washington em "Dia de Treinamento"), cínico, bobo e violento como Travis Bickle (Robert DeNiro em "Taxi Driver"), egoísta, cruel e pragmático feito Sam Spade (Humphrey Bogart em "O Falcão Maltês"). Como todos eles, intenso e sem objetivos claros, mas transpirando vida em Technicolor, sob trilha de Henry Mancini. E interagindo com gente do seu calibre.
A história (ainda) não existe. Mas há algo próximo. Chama-se L. A. Noire. É um jogo, e nem é dos melhores. Ele mostra o que poderia ser uma grande experiência se o cinema parasse de ignorar os games e resolvesse incorporá-los, criando narrativas múltiplas, para pessoas com pulseiras e tornozeleiras eletrônicas encenarem frente a uma tela, transformando-a numa balada no estilo Rocky Horror Picture Show.
Jogos surgiram como formas de reencenar histórias. Sem esforço, eles poderiam transformar galpões de cinemas, escolas e clubes em espaços lúdicos e intensos, que muitos frequentariam semanalmente para conhecer melhor a si mesmos e a seus amigos. Mas para isso é necessário investir nas tecnologias certas, contratar bons contadores de histórias, desparafusar as cadeiras do chão e as pessoas das cadeiras.
Foi o que ocorreu, de certa forma, com os personagens de "Wall-E".

folha@luli.com.br


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