São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2010

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ENTREVISTA TOM BISSELL

Heróis de games precisam ganhar mais substância

Autor de livro que discute a narrativa nos jogos eletrônicos diz que é importante dar aos personagens dos jogos sentimentos e coisas inteligentes para dizer

FERNANDA EZABELLA
DE LOS ANGELES

Desde os tempos de Mario Bros, a indústria de videogames batalha para dar realismo a seus personagens. A boina vermelha de Mario, por exemplo, servia para esconder a dificuldade de recriar cabelos, um desafio que existe até hoje. Para alguns especialistas, porém, não é o cabelo o problema dos games. É a falta de coração.
"Os desenvolvedores trabalham duro para fazer penteados maravilhosos, mas esquecem o quanto é importante dar a esses personagens sentimentos e coisas inteligentes para dizer", disse à Folha o americano Tom Bissell, autor do livro "Extra Lives Why Video Games Matter" (Vidas extras, por que videogames interessam), lançado no mês passado nos Estados Unidos.
Inquietações do tipo movem as entrevistas e reportagens que Bissell fez com nomes importantes da indústria do videogame, uma das mais lucrativas do mundo e que movimentou US$ 20 bilhões em 2009. O autor, premiado por livros de ficção, como um sobre a guerra do Vietnã, insiste que os games são sim uma forma de arte, embora ainda precisem ir além das narrativas tradicionais e melhorar muito os diálogos capengas de seus jogos. Tal crítica acabou resultando num convite para ele mesmo escrever o roteiro de um jogo, mas Bissell não pode dar detalhes.
O autor mergulhou no universo dos games ao encontrar dificuldades para terminar um trabalho, ainda inacabado. Passou 200 horas decifrando o mundo de Oblivion e meses cheirando cocaína e jogando Grand Theft Auto IV, experiências que ele narra em detalhes no livro "Extra Lives".
Além dos depoimentos pessoais, ele também descreve passagens de jogos como se fossem verdadeiras tramas literárias. "As emoções que eu senti nesses momentos -medo, dúvida, coragem- foram tão intensas como eu nunca antes senti, seja lendo um livro, vendo um filme ou ouvindo uma música", escreveu, após descrever uma batalha contra zumbis em Left 4 Dead.
Leia a seguir trechos da entrevista.

FOLHA - Como surgiu a ideia do livro? A impressão é que você se sentia muito culpado por perder tanto tempo jogando e se divertindo.
Tom Bissell
- Isso certamente sim [...] Mas eu queria desesperadamente ler algo engraçado e crítico sobre a experiência de jogar videogame. E quase todos os escritos sobre games caem em três categorias: posts de blogs, que podem ser bem engraçados, mas geralmente curtos; resenhas de games, que só dizem sobre o que é o jogo; e teorias acadêmicas. Então eu me organizei para escrever o livro que eu gostaria de ler.

Você e outros designers se preocupam com os diálogos, narrativas, emoções. Mas a indústria ainda pena para fazer o cabelo dos personagens. Pode uma coisa ser mais importante que a outra?
Não me importo com gráficos, cabelo e todas essas coisas se o game tiver imaginação, consistência e estilo.

Como jogar videogame influenciou sua literatura?
Provavelmente não ajudou em nada, na verdade. Jogar videogame usa uma parte da sua mente completamente diferente de quando você lê um livro. De fato, quando eu jogo muito videogame, tenho que treinar minha mente para se concentrar em livros de novo, o que às vezes leva alguns dias.

Quais foram os principais desafios para fazer o livro?
O maior foi tentar explicar o que é tão atraente na experiência de jogar videogame. Eu nunca tinha escrito esse tipo de coisa. Mas já revisei muitos livros e percebi que escrever sobre um jogo é como tentar descrever o que acontece em um romance.

Ficou preocupado em como as pessoas reagiriam ao fato de você ter usado cocaína?
Sim, muito. Mas achei que era uma experiência importante, algo novo sobre a experiência de jogar videogame. Mas muitos ficaram chocados. Minha mãe chorou.


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