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#PRONTOFALEI
LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br
O fim do futuro
MUITAS COISAS mudaram
nas últimas décadas. Algumas são mais evidentes, como o aumento do uso de telefones celulares (segundo a
Anatel, são 191 milhões no
Brasil, mais do que um por
habitante). Outras mudanças
são menos óbvias, como o aumento do isolamento urbano
e a pandemia de depressão.
Uma transformação recente de que quase ninguém fala
é a extinção de algumas palavras. Pode parecer uma bobagem vernacular, mas não
é. A linguagem (ainda) é a
forma mais eficiente para a
transmissão de ideias. Um
termo que desaparece ou tem
seu significado esvaziado
costuma indicar que são poucos os que ainda pensam no
assunto.
"Original", por exemplo, é
uma palavra que perdeu importância e vem, aos poucos,
perdendo o sentido. À medida que produtos, serviços e
relações são cada vez mais
compostas de ideias e cada
vez menos de matéria, ter originalidade perde relevância.
Por mais criativas que sejam,
ideias não têm substância. É
impossível encontrar sua semente original, seja para preservá-la ou para destruí-la.
Outra palavra que desapareceu foi o Futuro. Assim, em
maiúsculas, o grande Futuro
substantivo, a Utopia para a
qual seguiríamos de mãos dadas. Mesmo sendo fundamental para a construção de
praticamente todas as sociedades e religiões ocidentais,
ele vem desaparecendo. Ainda se fala no amanhã, no porvir, em tempos futuros. Mas
eles são vários, individuais,
pequenos. Falar em um único
e abrangente Futuro parece,
ironicamente, uma coisa velha e ultrapassada.
Não se sabe exatamente
quando foi que pararam de
falar nele. Desde a metade do
século passado, a migração e
a urbanização misturaram
culturas, valores e ideais de
uma forma sem precedentes,
eliminando absolutos e certezas. E, onde não há unanimidades, não se pode determinar com precisão o caminho a
seguir.
No início da década de 80,
filmes como "Blade Runner"
já anunciavam que o mundo
daqui a alguns séculos poderia ter as mesmas contradições do presente. Anos mais
tarde, o "bug" do milênio removeria qualquer esperança
pela Era de Aquário, mesmo
que seus danos tenham sido
mais imaginários do que palpáveis.
O Paraíso e o Armagedom
caminham de mãos dadas.
Eles estão sempre próximos,
mesmo que nunca se manifestem. Em uma economia de
ideias, símbolos são mais
tangíveis do que originais.
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