São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

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ANDRÉ CONTI

Aventuras em texto


Jogos descrevem cena ao usuário, que usa verbos e substantivos para interagir com a trama


DURANTE A DÉCADA de 1970, o programador William Crowther dividia sua ocupação principal com a de espeleólogo, e aos fins de semana partia com os amigos para explorar uma rede de cavernas no Kentucky. Numa dessas expedições, Crowther teve a ideia de reproduzir no computador a sensação de se aventurar por uma caverna. Os computadores, diga-se, ainda ocupavam salas inteiras, e não dispunham de gráficos (quando muito, tinham monitores). Tudo teria de ser feito à base de texto.
O jogo descrevia a cena ao usuário, que usava um punhado de verbos e substantivos para interagir com a trama. Na primeira descrição, por exemplo, o jogador se vê diante da entrada da caverna, onde também há uma lanterna. Ele digita, portanto, "PEGAR LANTERNA", e só então entra no túnel.
Colossal Cave Adventure, como Crowther batizou a criança, tornou-se uma febre nos laboratórios de informática, e outros programadores passaram a criar variações do jogo, com novos desafios e mais salas para se explorar. Os computadores pessoais começavam a ganhar campo, e logo alguém criou uma versão de Colossal Cave que rodasse nessas máquinas. Era o início de um gênero que se tornaria onipresente e muito lucrativo por anos a fio.
As empresas começaram a investir nas aventuras de texto, produzindo dúzias de cópias de Colossal Cave. O foco estava inteiramente nos quebra-cabeças: o jogador ia desenhando seu próprio mapa do jogo (recomenda-se papel quadriculado), examinando o cenário, coletando objetos, conversando com os personagens. Uma placa no início da caverna pode explicar como se abre uma porta mais adiante, mas o item necessário para abrir essa porta está em outro canto do mapa, que, por sua vez, precisa de outro item para ser acessado, e por aí vai. As pessoas demoravam meses para virar esses jogos.
Percebendo o potencial narrativo e literário das aventuras de texto, um grupo de amigos do MIT fundou a Infocom, voltada ao gênero que batizaram de ficção interativa. A grande sacada da Infocom foi inserir essa estrutura de quebra-cabeças predominante dentro de narrativas bem escritas, longuíssimas e que exploravam outros gêneros.
O maior sucesso da Infocom foi a série Zork, um jogo de exploração marcado pelo senso de humor cínico e refinado e pelo grau doentio de dificuldade (eles eram do MIT e ninguém ali estava de brincadeira). Zork I vendeu cerca de 400 mil unidades, numa época em que os jogos vendiam em média 6.000 unidades.
Um dos trunfos da empresa era o programador Steve Meretzky, que escreveu clássicos como Planetfall, uma aventura de ficção-científica cuja reviravolta dramática do segundo ato até hoje suscita lágrimas, e A Mind Forever Voyaging, um jogo experimental quase sem quebra-cabeças (é divertido, incrivelmente).
Os primeiros jogos com gráficos esmagaram as aventuras de texto, claro, mas elas persistem justo porque exigiam mais criativamente de seus autores, por conta das limitações técnicas. E melhor: é possível jogar a maioria delas em qualquer navegador de internet, aqui www.accardi-by-the-sea.org.

chorume.org
@andre_conti

LULI RADFAHRER
Leia a coluna desta semana em www.folha.com/luliradfahrer




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