São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

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ANDRÉ CONTI

Sangue no dedo


Em Super Meat Boy, só uma sequência milimétrica de manobras arrojadas não leva à morte certa


QUEM PEGOU a época de ouro dos fliperamas vai se lembrar de como eram difíceis aquelas máquinas. Por questões econômicas -de enriquecimento do proprietário, diga-se-, os jogos exigiam reflexos rápidos, sangue frio e alta tolerância à frustração e ao fracasso. Isso ou duas toneladas de fichas.
Quando o grosso dos jogadores migrou dos fliperamas para o videogame, o nível de exigência continuou rigoroso. Parte disso deu-se pela capacidade limitada dos consoles. Programar um jogo em uma máquina de oito bits era o mesmo, digamos, que pedir a um escritor que fizesse um livro com apenas quatro vogais e 15 consoantes. Com poucos cenários e personagens diferentes à disposição, os programadores precisavam ser criativos.
Aqui e ali, o jeito era apelar. O mesmo inimigo fracote do começo voltava na fase seguinte com uma camiseta diferente e mais sede de sangue. Num cenário com dezenas de vilões, bastava um esbarrão para ser devolvido ao início da fase. Três mortes e o jogo acabava, não raro sem vidas extras. Um jogo curto e de poucos recursos podia durar meses.
De uns dez anos para cá, os jogos foram ficando mais fáceis. Com orçamentos estratosféricos, passaram a privilegiar a experiência cinematográfica, colocando o jogador numa condição de quase espectador, enquanto o jogo conduz a ação. Praticamente não há mais sistema de vidas, e morrer quase sempre significa reiniciar do mesmo ponto em que paramos. Enquanto isso traz possibilidades narrativas mais ricas, de jogos longos e com tramas intricadas, algo do desafio se perdeu.
Com a chegada dos videogames com sensor de movimento (primeiro o Wii e, agora, o Kinect e o Move), formou-se um novo público, voltado a uma experiência mais casual. Para não perder o jogador casca-grossa, as produtoras passaram a incluir desafios opcionais nas fases, com troféus para que os vencedores possam se gabar nas redes sociais.
Também há resistência.
Pensando nos órfãos de Contra, R-Type, Metroid e de todos os jogos difíceis que castigaram a juventude dos anos 80 e 90, a produtora Team Meat lançou em outubro de 2010 o demoníaco Super Meat Boy (Windows e Xbox 360, US$ 14,99), um jogo de plataforma que presta homenagem a Super Mario Bros., Mega Man, Sonic the Hedgehog e outros clássicos do gênero.
A diferença é que aqui a dificuldade é ampliada, e não suavizada. Cada fase não dura mais do que um minuto, quando tanto, e consiste de um desafio: conduzir Super Meat Boy (um simpático quadradinho de carne sangrenta) até a sua amada Srta. Curativo, que se encontra do outro lado da tela.
Entre os dois há dezenas de serras, lanças e todo tipo de armadilha que se pode imaginar, e apenas uma sequência milimétrica de saltos e manobras arrojadas não leva à morte certa.
Para percorrer as cerca de 350 fases, o jogador morrerá milhares de vezes. Milhares. E o jogo ainda sugere um limite de tempo para cada estágio; atingir essas marcas é um teste à sanidade e à paciência. O clamor popular e da crítica mostra que há muita gente disposta a destruir as articulações e os dedos para se divertir um pouco.
chorume.org

@andre_conti

LULI RADFAHRER
Leia a coluna desta semana em
www.folha.com/luliradfahrer


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