São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2011

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LULI RADFAHRER

Ciclos e pulsações


Toda indústria nasce criativa, cresce burocrática e depois busca seminários de inovação

Nos anos 50, existiam tantos fabricantes de automóveis pelo mundo que era quase impossível catalogá-los. A tecnologia necessária para substituir ou recauchutar uma peça --ou até o carro todo-- era tão acessível para quem entendesse um pouco de mecânica que era normal aos mais criativos ou necessitados que desenvolvessem suas próprias soluções e versões alternativas, como até hoje se vê em Cuba.
A grande indústria ainda não era grande, e fazia vista grossa para as necessidades de um mundo no pós-guerra.
Nos anos 70, os laboratórios farmacêuticos eram tantos que ninguém se impressionava com o surgimento de mais um.
A tecnologia para a produção de medicamentos tinha se tornado mais acessível e, embora não desse para sintetizar uma Aspirina no quintal de casa, dava para imaginar a fabricação de remédios como um negócio familiar.
Laboratórios maiores eram parecidos com hospitais ou universidades, ninguém os imaginaria entre as maiores empresas do mundo. As empresas tradicionais, descendentes de alquimistas, demoraram para tomar consciência da existência dos pequenos fabricantes. Como não dava mais para superá-los, era melhor comprá-los logo de uma vez.
Nos anos 90, foi a vez da comunicação: editoras, estúdios fotográficos, produtoras de vídeo, áudio e websites eram criados por qualquer um que tivesse acesso a um Mac e uma criatividade proporcional à paciência para lidar com equipamentos esquisitos, desconhecidos --e, muitas vezes, contrabandeados.
"Conglomerado de mídia" era um nome pomposo que normalmente se referia a quem tivesse uma emissora (ou retransmissora) de TV e rádio que se preocupavam mais em alardear o "bug do milênio" e o "estouro da bolha" do que em falar da mudança que acontecia.
Hoje são os aplicativos para celular que concentram os inovadores. Não vai demorar para que se tornem sofisticados, caros e concentrados em grandes produtores, como aconteceu com as três indústrias acima e também com os estúdios de cinema, videogames, agências de publicidade, escolas, transportadoras, confecções e praticamente todos os segmentos produtivos.
Muitos defendem que tecnologias mais sofisticadas precisam de maiores investimentos e mais profissionais qualificados.
O problema é que a maior parte do orçamento não é investida em pesquisa, mas nos departamentos de marketing, jurídico e outros postos burocráticos que não produzem algo significativamente melhor. A Amazon.com, por exemplo, produz e-books a custo zero em pessoal e logística. Vende 180 deles para cada edição em capa dura. A diferença no preço de capa não reflete essa discrepância.
Não tem jeito: todo mundo quer ser chefe de tribo e ir de helicóptero para a fazenda. Por mais que empresas sejam criadas com a intenção de melhorar uma parte do mundo, à medida que a ideia criativa começa a gerar dinheiro, o medo de perdê-lo se torna maior do que a vontade de mudar.
Daí, quando ameaçados pela China, por sua própria ganância ou pelos pequenos que vieram não se sabe de onde, sua reação é procurar consultorias de inovação, que montam powerpoints sofisticadíssimos para repetir o que seus fundadores sempre souberam.

folha@luli.com.br


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