São Paulo, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

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ANÁLISE

Muita tecnologia, pouca criatividade

RENATA GOMES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até pouco tempo, o 3D era coisa passada, bem mais antiga do que supõe nosso vão consumismo. Uma de suas grandes aplicações -imaginem!- foi na fotografia erótica, no século retrasado, bem antes de virar filme de ação.
Hoje, depois de aposentado algumas vezes, ele ressurge das trevas do desconforto ótico para criar um nicho de mercado que, além do cinema e da fotografia, tenta conquistar as TVs e os games.
O princípio é estritamente o mesmo: a estereoscopia, que cria a ilusão de profundidade a partir de duas imagens capturadas em ângulos sutilmente diferentes. O que mudou foi a eficiência e a praticidade das novas tecnologias. Isso -e não qualquer propriedade estética em si- fez renascer o fenômeno do 3D, impulsionado, antes de tudo, pela necessidade de recriar um mercado em decadência face à pirataria: o da sala de cinema.
Só que filme é filme, jogo é jogo. Se, no cinema, a vasta maioria dos filmes em 3D pode muito bem passar sem esse enfeite, nos games, um incremento da ilusão de profundidade faz muito sentido, pelo menos em teoria.
Um dos grandes problemas do 3D estereoscópico nos games -além da dor de cabeça que provoca em muitos usuários- é que se trata de uma ilusão muito dependente do ponto de onde se dá a visão. Em outras palavras: não tente dar a volta no objeto que pulou da tela, pois ele deixará de existir.
Essa limitação -já diagnosticada pela indústria- pode ser facilmente compreendida, se tentarmos associar o 3D a outra tecnologia emergente: a detecção de movimento, via Wiimote, Kinect ou PS Move. Em princípio, a mobilidade desses dispositivos vai de encontro à necessidade de ponto de vista limitado do 3D. Quem ganha a briga? Além disso, será que vale a pena? Existe algo realmente interessante num jogo 3D, que justifique o gasto extra na compra de TVs compatíveis ou óculos especiais? Ou é divertido só nas primeiras vezes? E quem nos garante que as telas compatíveis com 3D não serão suplantadas por outra tecnologia, mais eficiente e universal?
Entre tantas dúvidas, uma certeza: os games 3D não podem ser iguais aos games planos, só que com mais objetos voadores. Se quiserem ser mais do que moda passageira, devem explorar as capacidades da estereoscopia para potencializar a jogabilidade e não só o espetáculo.
Os games menos ortodoxos e mais abstratos devem se beneficiar muito dos efeitos do 3D, pois, livres da necessidade de realismo, encorajam novas ideias, que tornam o jogo mais interessante. Jogos de terror também podem usar o 3D para propiciar sustos: qualquer um morreria de medo de zumbis pulando para fora da tela.
Mas só isso é pouco e, assim, no fundo, o grande problema da indústria de games permanece o mesmo: muita tecnologia, pouca criatividade. E não há 3D que resolva isso magicamente.

RENATA GOMES é doutora em comunicação pela PUC-SP, com pesquisa sobre videogames.


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