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#PRONTOFALEI
LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br
A imaculada concepção digital
A REDE não é orgânica, mas
se comporta como tal. Nem
mesmo as máquinas são orgânicas, por mais que não falte quem as divida em gerações ou lhes atribua memórias. O cérebro eletrônico, que
nunca foi um cérebro, à medida que transcende o eletrônico e invade o cotidiano, se
comporta cada vez mais como se fosse gente.
O antropomorfismo é uma
atitude natural. O bicho social detesta ficar sozinho e
tem uma mania curiosa de se
comunicar com o que estiver
à mão. Há quem fale com o
carro para que a gasolina não
acabe, praticamente todo
mundo xinga o pé da mesa
em que deu uma topada e são
raros os que nunca descontaram no mouse ou no monitor
quando a CPU trava. Ou maltrataram o telefone quando a
rede é a culpada.
À medida que os aparelhos
se tornam mais espertos,
amigáveis e sensíveis ao ambiente, é natural que seus fabricantes explorem a carência de seus usuários para
criar produtos e serviços cada
vez mais "fofinhos". Mesmo
sendo incompletos, dependentes, instáveis e demandarem muita atenção enquanto
fazem bobagens diversas,
são tão bonitinhos que fica difícil resistir a eles.
Em um ambiente sobrecarregado de mercadorias e escolhas, novos lançamentos
acabam sendo tão "humanizados" que chegam a parecer
gestações: começam com
planejamentos e análises do
mercado, em que resistências
são vencidas enquanto se decide a futura profissão do
pimpolho. Logo depois vem a
fase criativa, superestimada,
intensa, divertida e... breve.
Finalmente, a concepção.
Até recentemente, a criação de muitos produtos era
-como dizer?- bastante
"masculina", mais preocupada com o momento da criação do que com a responsabilidade de lançá-la no mundo.
À medida que os telefones,
carros e computadores passaram a se comportar como
gente, essa perspectiva precisou mudar.
Sem que percebêssemos,
nos tornamos babás de ciberbebês, responsáveis pela sua
nutrição, educação, personalidade, integração e atribuições de responsabilidade, até
que atinjam uma eventual
maturidade. O esforço e a dedicação empenhados (alguém pensou em amor?) são
tantos que não causa espanto
o fato de muita gente resistir à
ideia de substituí-los quando
chega, finalmente, a hora. Alguns por preguiça, outros por
considerarem seus riscos, lascados e amassados, sinais de
experiência.
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