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J. P. Cuenca

O morro do diabo e o anjo em Berlim

Resquício da época romântica da espionagem em Berlim foi tomado por grafiteiros, punks e hippies

Houve uma época em que a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) precisava construir estruturas geodésicas no topo de montanhas para espionar seus inimigos via sinais de rádio. Ainda assim, conseguia ser mais discreta do que em tempos de Edward Snowden.

Um resquício dessa época romântica da espionagem e da Guerra Fria está até hoje em Berlim Ocidental, no afastado e arborizado bairro de Grunewald, a maior área verde da cidade. Trata-se da estação de observação de Teufelsberg (morro do diabo) que funcionou entre 1964 e 1991. São quatro gigantescas bolas de golfe ocas sobre uma reforçada estrutura de concreto, a maior delas no topo de uma torre circular.

O lugar onde está construída a estrutura, o morro do diabo, se chama assim por estar perto de Teufelssee, o lago do diabo, um popular ponto de FKK (Freikörperkultur, "cultura do corpo livre" a.k.a. naturismo) no meio da floresta. Ele não é uma elevação natural, ainda que seja a maior de Berlim com seus 115 metros de altura. A colina foi formada pelo acúmulo de milhares de toneladas sobre toneladas de destroços da Segunda Guerra Mundial despejados sobre uma escola militar nazista por pelo menos duas décadas.

Depois que a estação de Teufelsberg foi desativada, o complexo foi tomado por artistas, grafiteiros, festeiros, punks e hippies. Hoje em dia, é raro ver alguma parede sem nenhuma intervenção, as cúpulas estão pichadas e semidestruídas e o lugar está em estado precário, com passagens e escadas que dão para o abismo. E é bom que Teufelsberg continue assim, longe de planos de renovação, com seu aspecto distópico e vista sobre a planície fragmentada de Berlim. O anjo da história de Walter Benjamin parece fazer-se presente não apenas no grafite da cúpula superior, mas em todo o lugar.

O Engel der Geschichte de Benjamin em "Sobre o Conceito da História" (1940): "Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso".

Para entrar em Teufelsberg, você tem que pagar € 7 (R$ 22) a um grupo de sujeitos mal-encarados que alegam ser donos do lugar, pular as cercas de arame farpado, todas mais remendadas que a história (é impossível), ou entrar em berliner-teufels berg.com e agendar um tour (€ 15; R$ 46). Na tarde em que estive lá, havia um saxofonista de jazz soprando dissonâncias num domo totalmente obscurecido por panos negros. Não mais que cinco espectadores.

Os veteranos que ali trabalharam na Guerra Fria encontram-se em endereços como fsberlin.org ou fsbvg.org. Dizem: "Esqueçam o Facebook. Ele é um lixo e sua identidade vai ser roubada se você entrar nele e você vai perder sua licença, se é que ainda tem alguma". E ainda: "Lembrem do nosso lema: Em Deus nós confiamos, todos os outros nós monitoramos". Hoje, até a Angela Merkel sabe.


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