Rota da Liberdade
A ilha em que Mandela ficou preso é hoje um museu a céu aberto na Cidade do Cabo
Se o leitor é daqueles que começam a viagem bem antes do embarque, por meio de guias e livros sobre o destino, no caso da África do Sul a primeira leitura é "Longa Caminhada até a Liberdade". A autobiografia de Nelson Mandela vai da infância até 1994, quando o líder se torna presidente de seu país.
Seu nome de batismo, Rolihlahla, significa "puxando o galho da árvore", algo como encrenqueiro --o nome Nelson, "branco", foi dado pela primeira professora, por ser "mais civilizado". Rolihlahla e depois Nelson de fato puxaram vários galhos na vida, com muitas consequências.
Robben Island talvez seja o palco mais óbvio do relato. A ilha em que Mandela passou 18 anos preso é hoje um museu a céu aberto e um dos passeios mais populares na Cidade do Cabo. É prudente reservar mais de um dia para a visita, já que o transporte está sujeito às condições do mar e por vezes é suspenso.
Em Johannesburgo, o Constitution Hill Precinct, prisão que Mandela frequentou nos anos 1950, abrigou em 1913 outro ilustre, Mahatma Gandhi, o líder pacifista hindu, que morou e advogou na África do Sul por 20 anos.
Também em Constitution Hill, vale visitar a Suprema Corte, estabelecida após a reforma constitucional de 1995. Uma janela que rasga quase toda a lateral do prédio deixa na mesma altura os juízes e os pés de quem passa por fora. Uma sútil maneira de lembrar aos ministros que eles não são superiores.
Em Pretória, o tribunal onde aconteceu o "Rivonia Trial", julgamento em que Mandela foi condenado a prisão perpétua em 1964, não é aberto ao público.
Um guia oficial, no entanto, pode arranjar a visita ao local onde Mandela escapou da pena capital com uma frase que entrou para a história: "Persigo o ideal de uma sociedade livre e democrática (...). É um ideal pelo qual vivo e espero alcançar. Mas, se necessário for, um ideal pelo qual estou pronto para morrer".
O nome Rivonia vem da região onde se localiza a fazenda Lillesleaf, próximo a Johannesburgo, que serviu de esconderijo para Mandela.
Um casal branco com empregados negros servia de fachada para o aparelho, hoje transformado em museu e centro de estudos. Mandela usava um uniforme azul e era o jardineiro da casa, que acabou desbaratada pela polícia sul-africana --dizem pesquisadores, com ajuda da CIA.
Óbvio também é ir a Soweto, a mundialmente famosa periferia de Johannesburgo, cujos bairros do sudoeste foram estabelecidos nos anos 1960 para abrigar negros.
O apartheid determinava não apenas a segregação, mas também o afastamento espacial de negros, indianos, mestiços e brancos.
De pretensa solução, Soweto se tornou um problema. Um levante estudantil, em 1976, violentamente reprimido pela polícia, deixou um saldo de mais de 500 mortos e iniciou o movimento internacional que levou à libertação de Mandela 14 anos depois.
Mandela era morador de Soweto, na única rua com dois prêmios Nobel do mundo (ele e o arcebispo anglicano Desmond Tutu), a Vilakazi Street. Sua casa hoje é um ponto turístico, em meio a bares, restaurantes e 4 milhões de moradores.
Perto dali, o histórico estádio do Orlando Pirates, palco de manifestações e discursos, uma espécie de Vila Euclides local. Longe dali, o Soccer City, o estádio construído para a Copa de 2010, hoje um elefante cada vez mais branco. (JOSÉ HENRIQUE MARIANTE)