Não vá se perder por aí
Beber xixi, comer lagarto semicru e dormir no mato; veja dicas para não passar tanto perrengue caso se perca ao viajar
"Bebi meu xixi. Sugiro que você faça o mesmo", disse o fotógrafo Chico Moraes, 31, ao amigo José Alalou, administrador, 29. Conselho acatado e, horas depois, estavam tentando assar com o isqueiro um lagarto morto a pedradas.
O que parece um roteiro de "Indiana Jones" ocorreu na vida real, em outubro. Os dois paulistanos estavam no deserto do Atacama, o mais seco do mundo, no Chile, perdidos.
O motivo da viagem --desconectar da vida louca de São Paulo-- foi levado à risca. Estavam no meio do nada, sem sinal de celular. Apenas a bússola do telefone funcionava, mas quatro dias vagando no deserto estavam deixando a dupla sem esperança.
"Gravamos um vídeo para nossas famílias, dizendo o quanto amávamos nossos parentes e amigos", diz Alalou. "Se morrêssemos, quem sabe não encontrariam o registro? Iam saber do nosso fim."
Foi também pensando sobre a morte que um liberou o outro para tomar o sangue e comer a carne do corpo caso alguém não suportasse a falta de energia, ampliada pelo calor --que chegava a 30°C durante o dia-- e pelo frio --menos de 10°C à noite.
A viagem, que começara como qualquer roteiro no Atacama, com passeios como visitas à Laguna Cejar e a uma reserva de flamingos, se transformou em um inferno.
Não acharam que voltar de um tour por uma estrada diferente da que tinham vindo seria tão traumático.
Não pensaram que o carro alugado poderia quebrar. Não passou pela cabeça que precisariam de mais de um litro d'água e de três bananas quando deixaram a pousada na manhã daquele domingo de outubro. Nem que iriam dormir no deserto.
"À noite, colocava aquela vegetação seca sobre mim, para esquentar. Mas não adiantava", lembra Moraes, que, na ocasião, estava de bermuda.
Foi o frio, aliás, que trouxe esperança na terceira noite. O local que iam dormir era aberto e decidiram procurar uma rocha para se proteger do vento. Ao levantar, viram luzes bem distantes. Decidiram dormir e ir naquela direção de manhã. Dormiram. Abraçados, como nas outras noites. E, como nas outras noites, medo e adrenalina atrapalharam o descanso dos dois.
Acordaram e andaram até que viram um posto policial. Ao falar com as primeiras pessoas que viam em quatro dias, descobriram que haviam chegado à Argentina, a mais de 200 km do ponto que o carro quebrara. A polícia chilena chegou e levou-os a San Pedro. Voltaram ao Brasil dois dias depois. "Dei uma nova dimensão à vida", diz Alalou. "Teria trocado meu carro por uma garrafa d'água ali."