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A Cidade do Cabo é racista?

Discussão sobre sentimento dos negros em relação à metrópole segue ardorosa, diz cientista político de Johannesburgo

DO “GUARDIAN”

Jan van Riebeeck, o fundador da Cidade do Cabo (África do Sul), foi bastante direto sobre a população negra local que encontrou em 1652: "Não se pode confiar neles de modo algum, um povo brutal vivendo sem consciência".

Van Riebeeck logo pôs o preconceito em ação. Para manter os locais fora do que considerava devido a ele, ordenou a plantação de uma cerca de amêndoas amargas ao redor do assentamento.

A cerca ainda está no jardim botânico de Kirstenbosch, símbolo problemático e contestado do passado e, talvez, do presente. Como ela, o debate sobre negros se sentirem bem ou não na Cidade do Cabo segue ardoroso.

Na última semana, Helen Zille, chefe do governo do Cabo Ocidental, única província do país governada pela Aliança Democrática, oposição liderada majoritariamente por brancos, enraiveceu muitos negros ao declarar que as escolas de sua região estão sendo inundadas por "refugiados" da educação do vizinho Cabo Oriental.

Zille é branca. Cabo Oriental é a província que produziu dois dos presidentes pós-apartheid: Nelson Mandela e Thabo Mbeki. A educação na província entrou em colapso, e o governo federal enviou um time de emergência.

O uso da palavra "refugiado" gerou raiva, com muitos afirmando que é um exemplo da visão de que o Cabo Ocidental e a Cidade do Cabo se consideram uma extensão da Europa e o último bastião do governo branco na África.

Na última sexta, o "New York Times" publicou uma reportagem examinando o debate furioso no Twitter entre Zille e personalidades negras sobre as percepções do racismo na Cidade do Cabo.

As complexas gradações raciais da Cidade do Cabo desafiam os que querem falar de brancos e negros de modo estreito. A maioria é "coloured", termo problemático. São descendentes de khoi, escravos malaios e brancos.

Em 2001, pouco mais de 50% das pessoas de Cabo Ocidental se descreveram como "coloured"; 30,1%, como negros africanos, e só 18,4% como brancos. Os primeiros dois grupos vivem em cidades satélites pobres, e os brancos estão na Cidade do Cabo ou nos arredores.

A economia do centro da cidade e de suas renomadas vinícolas ainda é branca. Essa é a face da Cidade do Cabo, desconcertante para muitos do norte e também para turistas estrangeiros.

Somos um país que não pode escapar da raça. Derrotamos o apartheid há meros 18 anos. Todas as nossas cidades têm racistas e não racistas. A diferença é que a Cidade do Cabo tem notoriedade, é uma atração turística e é governada por um partido visto largamente como branco.

Não ajuda que o debate tenha sido reduzido ao Twitter, no qual a complexidade recebe pouca atenção. Após 360 anos, ainda estamos na cerca de amêndoas, xingando uns aos outros.

JUSTICE MALALA é cientista político de Johannesburgo e comentarista do jornal britânico "The Guardian"

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