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Depoimento

Pela noite de Durban, todo cuidado é pouco

Repórter conta sua (má) experiência em um passeio noturno pelo centro da terceira maior cidade sul-africana

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Vista noturna da cidade sul-africana de Durban
Vista noturna da cidade sul-africana de Durban

MARTÍN FERNANDEZ
DE SÃO PAULO

QUEBRAMOS TODAS AS RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA, SAÍMOS À NOITE, A PÉ, PELO CENTRO

Em maio de 2008, estive na África do Sul para cobrir os preparativos do país para a Copa do Mundo de 2010.

Em Durban, eu e o colega Ricardo Perrone, hoje blogueiro do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha), quebramos todas as recomendações de segurança. Saímos à noite, a pé, pelo centro da terceira maior cidade sul-africana, com a intenção de jantar, "fazer o que os locais fazem".

A primeira constatação, que deveria ter sido suficiente para nos levar de volta ao hotel, é que os locais não saem para jantar, não no centro, não no meio da semana, em uma cidade violenta.

Não havia gente nas calçadas, os carros eram raros.

Comemorei quando vi o letreiro de um pequeno pub numa esquina: Cockney Pride.

O ambiente era deprimente. Críquete na TV, dois caras fumando, um sujeito atrás do balcão lavando louça e sem a menor disposição para nos servir. Só se salvavam as caricaturas, nas paredes, dos maiores bêbados, com o registro do número de "pints" tomados e a data do feito.

Mas olhar desenhos numa parede não era o plano, e seguimos em frente. No mesmo quarteirão estava o que parecia ser o lugar mais divertido de Durban: o Club 2010. Estava cheio, não cobrava entrada, a música não era ruim.

Por que não? Entramos, pegamos, no bar, uma cerveja long neck cada um e fomos em busca de uma mesa. Só então nos demos conta: éramos os únicos brancos do lugar. E a maneira como estávamos sendo olhados estava em algum lugar entre o desprezo e ódio.

No dia seguinte saberíamos que aquele era um lugar frequentado por imigrantes ilegais nigerianos, zimbabuanos e moçambicanos.

Sul-africanos, brancos ou negros, não frequentavam o Club 2010. Especialmente numa época em que havia uma guerra declarada a esse tipo de imigrante. Favelas eram queimadas e gente era expulsa do país à força, não sem a resistência de quem ficava.

Mas ali estávamos. E sem muito o que fazer, resolvemos arriscar uma olhada no andar de cima. Quando nos aproximamos da escada, seis caras sentados nos degraus se levantaram e nos cercaram.

Mandaram o Perrone subir e me retiveram ali. O maior deles, o líder, me disse algo em inglês incompreensível. Só entendi a palavra "beer" (cerveja) e estendi a garrafa.

"Você não entende inglês?" - a pergunta veio num tom bem ameaçador. Entendo, claro. "Então você bebe, depois eu bebo, e você bebe outra vez." Opa, como não?

Enquanto estávamos nessa de passar a garrafa um para o outro, enfiaram a mão no bolso da frente da minha calça. Instintivamente dei um tapa na mão do ladrãozinho e me arrependi na hora.

Talvez fosse melhor perder uns trocados e o celular que me meter em (mais) encrenca ali. Mas os caras apenas riram, me perguntaram de onde eu era, e dizer "Brasil" não ajudou muito. Ofereceram maconha, recusei e aí finalmente me deixaram subir.

Até achar o Perrone, tentaram me furtar outras vezes -um te empurra "sem querer", outro vasculha seus bolsos. Nada nos aconteceu. O susto foi útil dois anos depois, quando passei 49 dias cobrindo a Copa sem nenhum perrengue ou ameaça. Mas bem que poderia ter sido evitado.

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