São Paulo, quinta-feira, 01 de junho de 2006

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URUGUAI NATURAL

Capital uruguaia abre as portas para a nostalgia

Refúgio de tranqüilidade urbana, centro histórico sintetiza lugar de tradições expressas nas ruas

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE MONTEVIDÉU


"Parecen mentira las cosas que veo/ por las calles de Montevideo." Esse é o refrão da canção "Adiós Juventud", encontrada no assovio de pacatos senhores ou no coro de adolescentes boêmios pelo centro histórico nas noites de sábado.
A música não mente: Montevidéu reserva um modo de vida que não parece de verdade. A tranqüilidade, os ainda intocados costumes e a natureza que se ergue diante do asfalto fazem da capital do Uruguai um encrave de bem-estar urbano na América do Sul.
O centro histórico, a Ciudad Vieja, é a síntese da capital: ali se encontram o passado -nas ruas estreitas de pedras, nas construções oitocentistas- e o cotidiano do comércio, em restaurantes que atendem a trabalhadores apressados; a vanguarda de lojas de roupas exclusivas e novidades sonoras rioplatenses; e o porto, com seu vaivém reverente ao rio da Prata, que brilha, mesmo sob o frio vento de outono, ao longo da costa montevideana.
A Ciudad Vieja parte do extremo da principal avenida, a 18 de Julio. Dali para trás, de frente para a praça Independencia, onde está o mausoléu do general José Artigas (1764-1850), prócer do Uruguai, começa um passeio pela Montevidéu que soube preservar suas raízes sem deixar de avançar aos dias atuais. Para entrar, basta cruzar a Puerta de la Ciudadela, uma enorme porta de pedra, vestígio de fortificação erguida entre 1741 e 1780 para defesa da Montevidéu colonial, então sob domínio espanhol. Algumas ruas à esquerda da Ciudadela, se ergue o teatro Solís, aberto em 1856 e batizado em homenagem ao navegador espanhol Juan Díaz de Solís, comandante da primeira expedição a registrar a região.
De volta ao portão, a poucos passos de sua entrada, o Museu Torres García concentra a obra do nome mais importante das artes plásticas do país. Adiante, a primeira grande praça que surge é a da Constitución.
Logo no início da Constitución está a livraria e editora Linardi & Risso, fundada em 1944 e especializada em publicações latino-americanas. A casa tem entre seus clientes nomes como o peruano Vargas Llosa e Tomás Eloy Martínez e possui relíquias como cartas originais de Artigas e Domingo Sarmiento (presidente da Argentina entre 1868 e 1874).
Aos sábados, a praça da Constitución concentra espetáculos de teatro, música e dança, em que o tango ocupa lugar de destaque. Mas não espere a profusão de casais, volteios e produtos alusivos como os que se vêem em Buenos Aires.
O Uruguai se proclama a verdadeira pátria de Carlos Gardel (o cantor teria nascido no Departamento de Tacuarembó, ao norte do país), mas não faz o ritmo sobreviver em camisetas ou bares temáticos.
Aqui, o tango é um amor recatado, percebido pela cadência que voa de uma janela entreaberta ou em um tratamento carinhoso: é comum uruguaios chamarem suas amadas de Malena, de um tango de 1941, mulher de "olhos escuros como o esquecimento".
A praça irradia outros passeios. Pela Peatonal Sarandí chega-se ao Prata por um trajeto luminoso. Ao final, nos muros de pedra, pescadores passam o dia à base de chimarrão.
Vale descer pelos outros lados da praça, por ruas como Ituzaingó ou 25 de Mayo, que descrevem, a partir das fachadas, as arquiteturas e momentos econômicos que atingiram o antigo epicentro de Montevidéu nos últimos dois séculos.
Enfileiram-se pontos tradicionais, como o Café Brasilero, e inovadores, como a loja de roupas de Ana Livni e Fernando Escuder.
Ladeiras abaixo, o rio da Prata volta a cingir Montevidéu e convida a celebrar essa cultura -nostálgica e pulsante, discreta e contundente- no Mercado del Puerto: prova de que, no Uruguai, mesmo às margens do "rio mais largo do mundo", tudo acaba mesmo é em carne.


ONDE - Teatro Solís: r. Reconquista, s/nš. Tels. 00/xx/5982/1950-3323 e 1950-3324.
ONDE - Livraria Linardi & Risso r. Juan Carlos Gómez, 1.435 Tel. 00/xx/5982/915-7129



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