São Paulo, quinta-feira, 01 de setembro de 2005

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ENTREVISTA

Para o especialista Klotzel, "voar é seguro; em cada 1 mi de vôos, ocorre só um acidente"

"Não há aviação sem manutenção"

JULIANA DORETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"É difícil encontrar uma atividade do ser humano mais segura do que a aviação." Quem bendiz o vôo mecânico é o engenheiro Ernesto Klotzel, 78, que dedica mais de quatro décadas de sua vida à cobertura jornalística do universo dos aviões.
Apesar dos cinco grandes acidentes com aeronaves comerciais ocorridos em agosto (no Canadá, na Itália, na Grécia, na Venezuela e no Peru, deixando como saldo mais de 320 mortes), a média mundial indica que ninguém precisa ter medo de avião: "a cada 1 milhão de vôos, ocorre apenas um acidente", informa Klotzel, ancorado em estatísticas oficiais.
Leia trechos da entrevista concedida à Folha pelo especialista, que trabalhou nas companhias aéreas Real e Varig -mas tem os pés fincados no chão.

 

AVIÃO VELHO - Isso não existe. Existe, sim, avião mal mantido. Um avião de dez anos ainda nem atingiu sua maioridade. Basta que a companhia aérea faça a manutenção como pede a empresa que o construiu. Além disso, ninguém deixa o avião esquecido: ele é visitado regularmente pelo fabricante e por órgãos locais de fiscalização. Um avião só fica velho a partir do momento em que não for mais rentável, ou seja, quando for tão ruidoso ou tão pouco econômico que sua operação se torne inviável ou até mesmo proibida em certos aeroportos. Em média, isso leva 15 ou 16 anos para ocorrer ou 60 mil ciclos. Cada ciclo significa uma decolagem e um pouso. De fato, o MD-82 que caiu na Venezuela e o Boeing-737/200 que se acidentou no Peru eram velhos, já que nem são mais fabricados, mas isso não quer dizer nada, necessariamente, contanto que a velhice deles fosse digna.

AVIÃO PEQUENO - Os de pequeno porte, de até dez lugares, estão entre os mais modernos do mundo, porque a inclusão de aprimoramentos tecnológicos nesses modelos é mais rápida do que nas aeronaves maiores. Porém, enquanto os aviões grandes voam em imensas estradas aéreas e circulam somente em aeroportos equipados, os chamados de executivos operam em condições piores e às vezes pousam em lugares mais livres -uma pista em fazenda, por exemplo.

MAU TEMPO - Vale o bom senso do piloto e da torre. Com tempo ruim, é simples: não decola ou não pousa. Mas, se encontrar condições ruins ao longo da rota, o piloto vai sendo informado do que vem pela frente. Ele também pode pedir autorização para desviar do mau tempo. Além disso, a altura em que os jatos voam diminui as chances de o avião entrar em uma tempestade forte. O piloto também decide quando abortar ou retardar um pouso. A torre aconselha, mas ele tem soberania. Afinal, numa intempérie, o piloto automático é burro. Ele pode corrigir demais um problema, causando outro maior: só o piloto tem sensibilidade para fazer a pausa necessária e ver como o avião se comporta.

POR QUE CAI? - Nunca um acidente tem uma só causa, apesar de falha na manutenção ser um motivo mais raro do que um julgamento errôneo do piloto. O elemento humano, claro, é sempre o elo mais fraco. Eu confio mais numa máquina, claro, mas há outros fatores contribuintes. Dizem que os pássaros não perturbam mais, mas volta e meia entra um urubu na turbina e causa um problemão.

HORA DO RUSH - Como contornar os aeroportos congestionados? Onde você construiria um aeroporto em São Paulo, mesmo se tivesse recursos ilimitados? Seria longe, perto de Jundiaí, talvez. A área de Nova York que está congestionada tem três aeroportos moderníssimos. Alguns defendem que a solução são os megaaviões, como o Airbus A-380, que tem 550 lugares e logo terá mais de 800. Mas nessa época, em que o sujeito até come falando no celular, para não perder um minuto, ninguém vai aceitar chegar a seu destino em uma hora em que não desejar. Sempre vai haver congestionamento, e o crescimento do tráfego é rápido, principalmente na Ásia. Ou seja, a solução não é fácil, não está à porta.

DESPRESSURIZAÇÃO - A 10 mil metros de altitude, o ar está a -55C e tem apenas 20% da quantidade de oxigênio a que estamos acostumados aqui. Pressurizar significa manter no avião uma pressão e uma temperatura que o passageiro encontraria em terra, numa montanha de mais de 2.000 metros de altura. Como se faz isso? O motor a jato tem um compressor, que suga e comprime o ar. Rouba-se um pouco desse ar, que vem quente, a 200C, e com pressão, fazendo-o passar por uma série de equipamentos e reduzindo sua temperatura para 23C. Então o avião deixa escapar uma quantidade de ar suficiente para que a pressão que fica na cabine seja semelhante à da montanha. Se der uma pane nesse sistema, em primeiro lugar, sente-se uma dor terrível no ouvido e, como se respira menos oxigênio, perdem-se os sentidos. Para sanar isso, o piloto leva o avião a menos de 4.000 metros de altitude e continua voando: os passageiros nem precisam mais de máscaras. Ninguém morre de frio por despressurização, como se ouviu no acidente da Grécia: perde-se a consciência antes de congelar.

MOTOR: QUANTO MAIS, MELHOR - O número de motores é decidido pela potência que o avião deve ter e pode ser dois, três ou quatro. Claro que há a tendência, por parte do passageiro e até de certos pilotos, de que quanto mais, melhor. Mais um bijato pode voar para aonde voa um quadrijato.

MODERNIDADE - Hoje em dia qualquer avião que se preze, mesmo executivo, tem um aparelho chamado de TCAS, que indica se há um avião na sua vizinhança, se ele está vindo na sua direção e o que fazer para escapar dele. O radar, que antes era preto-e-branco, hoje é como um sinal de trânsito, em relação às nuvens: amarelo, cuidado; vermelho, não entre; verde, pode entrar. Se o piloto quiser, ele não toca no avião. Logo depois da decolagem, aperta meia dúzia de botões, e o avião se dirige sozinho ao ponto designado. Além disso, o comandante tem todo os avisos de que precisa na sua frente: parece até uma árvore de Natal. E equipamentos sempre estão sendo inventados. Quanto mais moderno, mais difícil quebrar. A frota brasileira, por exemplo, é nova e satisfatória.


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