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FERNANDO GABEIRA
Bons ventos sopram de Sorocaba
Tirei um dia da semana,
uma segunda-feira, para visitar Sorocaba (SP). O motivo de
minha viagem é simples. Todos
que viajam pela Europa ou pela
Califórnia têm a possibilidade de
ver aquelas enormes torres com
três hélices rodando sem parar,
produzindo energia a partir da
força dos ventos. Soube que em
Sorocaba se fabricam centrais eólicas. E fui ver.
No avião para Campinas pensei
nas irônicas circunstâncias de minha viagem. O Brasil produz centrais eólicas e as exporta para o
mundo inteiro, ávido de fontes renováveis de energia.
Aqui dentro, no auge de uma
crise energética, só se fala em gás,
que não é renovável e, ainda por
cima, "tensiona" um recurso vital: a água.
O dono da empresa de Sorocaba, Pedro Vial, me recebeu no aeroporto com seu Peugeot 406
Coupè e, antes de sair, por meio
de seu telefone celular, dialogou
em inglês com compradores, falou
de novas encomendas. O ritmo
parecia intenso, para acompanhar o crescimento dessa indústria, que aumenta 34% ao ano.
A imagem de Christopher Flavin (presidente da ONG Worldwatch Institute) sobre o que se
passa no campo da energia me
veio à mente: os derivados do petróleo são uma espécie de IBM e a
energia eólica parece a Microsoft
quando surgiu: os ritmos são diferentes, uma é pesada e lenta, a
outra, leve e veloz.
Pedro Vial estava exultante
com os resultados mundiais.
A Dinamarca foi uma espécie
de pioneira porque recusou a
energia nuclear e, por coerência,
não importava energia dessa fonte. Depois veio a Alemanha, que,
em 91, fez uma lei incentivando as
energias alternativas, sobretudo
garantindo que a energia eólica
produzida fosse ligada à rede e
obtivesse um preço mínimo.
Em seguida veio a Espanha e
agora há uma corrida internacional. Índia e Turquia, por exemplo, entraram na corrida pela
energia dos ventos e já dedicam a
essa fonte uma boa parte de seu
orçamento.
Por que o Brasil exporta e usa
pouco? Isso é uma longa história.
O interessante é examinar como
os pioneiros trabalharam para
que, no final, associados alemães
chegassem a colocar um pé no
mercado mundial.
O passo inicial foi produzir
aquelas pás que ficam rodando
com o vento. São feitas de fibra de
vidro, aparentemente simples.
Vendo-as no chão é possível perceber melhor seu tamanho e, mais
ainda, examinar seus detalhes. A
tecnologia para aproveitar melhor o vento nasce também da engenharia dos planadores, que
precisam voar o máximo e perder
o mínimo de altura possível.
A fábrica de Sorocaba não é totalmente brasileira. Ela faz parte
da Wobben Windpower, que tem
base na Alemanha. Mas a verdade é que não só desenvolveu aqui
quase toda a usina, como inventou técnicas novas. Uma delas foi
montar uma usina nas dunas do
Ceará, usina que funciona há
dois anos e meio. E muito bem.
Os componentes eletrônicos do
gerador ainda são importados.
Mas isso se pode fazer no Brasil.
No fundo, o principal desses componentes é um programa de computador que regulariza as correntes elétricas para que sejam bem
aproveitas na rede e movimentem as pás para que fiquem sempre na posição mais favorável em
relação aos ventos.
Como o tema é muito longo, ficarei apenas nos ventos. O Brasil
já tem mapas dos ventos de vários
Estados. E em pouco tempo sairá
um atlas nacional. Quase todos
esses trabalhos foram realizados
por uma empresa de Curitiba, a
Camargo Shubert, uma grande
especialista nacional.
O que dizem os mapas é que os
ventos sopram a favor do Brasil.
Os alísios no Nordeste, sobretudo
no Ceará e no Rio Grande do
Norte, são de uma regularidade
tranquilizadora. Aliás esses ventos no passado eram chamados
"trade winds", porque era possível confiar neles para o comércio
marítimo.
Quando sair o atlas dos ventos
no Brasil será possível afirmar o
potencial energético dessa fonte.
É possível, dizem todos que trabalham na área, chegar a produzir
6.000 megawatts nos próximos
cinco anos. Isso já daria um grande conforto para quem depende
das hidroelétricas.
Os ventos sopram a favor do
Brasil não só por causa de sua frequência e velocidade. Todas as
curvas estudadas indicam que os
ventos sopram mais no momento
em que os reservatórios estão
mais vazios. Na verdade vento e
chuva se complementam, como se
a natureza quisesse nos dar um
conselho sobre o substituto ideal
para a energia hidroelétrica.
Hoje as coisas ainda estão complicadas para o vento, facilitadas
para os gases. Por exemplo: é mais
barato produzir uma central eólica aqui, exportar para a Alemanha e enviá-la ao Ceará do que
fazer diretamente no território
nacional, pagando os impostos
aqui devidos.
Aos poucos, no entanto, a fábrica de Sorocaba, que vai ser replicada em Fortaleza em dezembro,
acabará se impondo como a própria mensagem dos ventos no
Brasil. Essa e outras modalidades
de energia solar vão definir os rumos energéticos no século 21, junto com as células de combustível
que se produzem a partir do hidrogênio.
Por enquanto existe ainda um
certo fôlego para governos e analistas que querem tapar o sol com
a peneira.
Mas na rua todo mundo sabe o
que é uma fonte de energia poderosa. Basta olhar para cima.
A grande vitória do governo foi
tornar a crise de energia um tema
tão chato e sem inspiração que
hoje não se vê mais brilho nos
olhos quando se fala nele. A tentativa de dar um ar de normalidade à crise acabou roubando o
fascínio da discussão.
O sol brilhando, os ventos soprando, ambos têm tempo de sobra para esperar que o Brasil os
descubra. Enquanto isso, nossa
indústria prospera exportando
para os países que já se renderam
a essas evidências esmagadoras
da natureza.
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