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FERNANDO GABEIRA
Caminhos nordestinos do turismo sexual
A morte trágica de seis
portugueses em Fortaleza
tende a colocar na agenda, passado o tempo de luto, um tema que
envolve milhões de dólares e ocupa milhares de pessoas no mundo: o turismo sexual.
Na semana passada, um amigo
de Alagoas me disse que toda semana chega um vôo charter repleto de homens, empresários e
trabalhadores especializados, que
querem se divertir no Nordeste
brasileiro. Em Recife e Fortaleza
já é um fenômeno conhecido que
movimenta bares, inferninhos,
intermediários e toda a estrutura
hoteleira necessária para fazer o
negócio andar.
Para um governo como o do
Brasil ou da Tailândia, não é fácil
abordar esse tema de forma eficaz. A tendência que o moralismo
impõe seria a de realizar uma
grande campanha internacional
pela mídia, tentando deter esse
processo. Milhões de dólares seriam gastos sem nenhuma garantia de resultado, exceto o de que
ficaríamos mais pobres e teríamos menos dinheiro para obras
sociais e mais gente buscando
uma saída na prostituição. Em
outras palavras, gastaríamos dinheiro para obter o oposto do que
queria nosso impulso moral.
Outro caminho que deve ser seguido é a informação direta aos
turistas, através das embaixadas
e das empresas aéreas. Tudo o
que se pode fazer, talvez num curto panfleto, é informar sobre as
leis nacionais, indicando que serão presos caso não as respeitem.
Essas leis dizem respeito sobretudo à exploração de crianças e
devem precisar a idade em que as
relações começam a ser permitidas no país.
Isso não esgota a atuação brasileira em todos os fóruns internacionais, sobretudo na Unicef, onde há interesse em se combater a
exploração de crianças. Da mesma maneira, a Interpol, através
de sua divisão brasileira, pode e
deve trocar o máximo possível de
informações sobre tráfico de mulheres e crianças.
Um ângulo que ainda não foi
explorado pelo Brasil e precisa ser
é a interdependência global em
casos como a epidemia de Aids.
Estamos numa tremenda batalha
para garantir nosso singular programa de combate à doença. Os
grandes laboratórios internacionais, que argumentam sempre
com suas necessidades de retorno
para o capital investido, talvez
não compreendam que o esforço
contra a Aids é tarefa de todos.
O programa brasileiro, com todas as suas dificuldades, representa no fundo uma segurança a
mais para os milhares de turistas
sexuais que frequentam o Brasil.
Se os governos entrarem na mesma linha dos laboratórios, recusando-se a pensar a Aids para
além dos lucros imediatos, acabarão dando um tiro no pé.
Raciocinar com esses elementos
realistas pode parecer chocante
para um grupo de feministas que
acredita ser possível acabar com a
prostituição. Sou bastante cético
quanto a isso. Enquanto essas
meninas e suas famílias não tiverem grandes alternativas econômicas, elas continuarão esperando no aeroporto uma saída para
seu impasse: alguns programas
pagos e até mesmo a chance de se
mudarem para a Europa.
Colocando as reservas morais
momentaneamente entre parêntesis, o turismo sexual pode ser
entendido como um grande movimento econômico, um ponto de
equilíbrio na economia libidinal
desse mundo maluco.
Os homens trabalham duro,
economizam dinheiro e partem
para o Terceiro Mundo em busca
de mulheres mais jovens, mais
audaciosas, mais exóticas.
Se você adicionar a esse apelo
sexual as cores, a música e a sensualidade da comida exótica, verá que se trata de um pacote de felicidade capaz de iluminar por alguns dias sua vida de bocejos e
chinelos felpudos nos lares dos
países ricos.
É interessante registrar que essa
busca talvez pudesse ser saciada
num país como a Holanda, onde
a prostituição é regulamentada.
No entanto esse tipo de homem
foge muitas vezes das mulheres
européias. Querem mais emoção
e calor e, sobretudo, rever um passado de dominação masculina,
escassa nos países desenvolvidos,
mas ainda não sepultada nos seus
desejos inconscientes.
Às vezes esse processo resulta
em mortes terríveis, como a dos
seis empresários portugueses.
Mas, para dizer a verdade, resultou também em inúmeros casamentos. Por mais que repugne aos
moralistas, será necessário colocar a questão que invade outros
setores de nossa vida: acabar com
o turismo sexual ou conviver com
ele, reduzindo seus danos?
Isso poderia ser objeto até de
um encontro internacional dos
países que vivem esse problema
como anfitriões, em busca de uma
tática comum na relação com os
países que exportam seus homens
com moeda forte e uma nostalgia
de amores intensos.
Acho que nossos dirigentes talvez morressem de vergonha em
admitir o problema e tentar resolvê-lo pela negociação. Preferem
reafirmar, a cada instante, sua
indignação moral. Se conhecessem o desencanto do homens europeus e a precariedade material
de nossas meninas talvez aceitassem melhor uma nova tática.
Tudo isso não é novo no mundo. Quantas famílias não esconderam a tuberculose no passado,
agravando ainda mais a devastação produzida pela doença?
O Brasil produz pacotes semanais de felicidade sensual e erótica, mas vai levar algum tempo
para admitir isso com a sinceridade necessária.
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