São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO GABEIRA

Caminhos nordestinos do turismo sexual

A morte trágica de seis portugueses em Fortaleza tende a colocar na agenda, passado o tempo de luto, um tema que envolve milhões de dólares e ocupa milhares de pessoas no mundo: o turismo sexual.
Na semana passada, um amigo de Alagoas me disse que toda semana chega um vôo charter repleto de homens, empresários e trabalhadores especializados, que querem se divertir no Nordeste brasileiro. Em Recife e Fortaleza já é um fenômeno conhecido que movimenta bares, inferninhos, intermediários e toda a estrutura hoteleira necessária para fazer o negócio andar.
Para um governo como o do Brasil ou da Tailândia, não é fácil abordar esse tema de forma eficaz. A tendência que o moralismo impõe seria a de realizar uma grande campanha internacional pela mídia, tentando deter esse processo. Milhões de dólares seriam gastos sem nenhuma garantia de resultado, exceto o de que ficaríamos mais pobres e teríamos menos dinheiro para obras sociais e mais gente buscando uma saída na prostituição. Em outras palavras, gastaríamos dinheiro para obter o oposto do que queria nosso impulso moral.
Outro caminho que deve ser seguido é a informação direta aos turistas, através das embaixadas e das empresas aéreas. Tudo o que se pode fazer, talvez num curto panfleto, é informar sobre as leis nacionais, indicando que serão presos caso não as respeitem.
Essas leis dizem respeito sobretudo à exploração de crianças e devem precisar a idade em que as relações começam a ser permitidas no país.
Isso não esgota a atuação brasileira em todos os fóruns internacionais, sobretudo na Unicef, onde há interesse em se combater a exploração de crianças. Da mesma maneira, a Interpol, através de sua divisão brasileira, pode e deve trocar o máximo possível de informações sobre tráfico de mulheres e crianças.
Um ângulo que ainda não foi explorado pelo Brasil e precisa ser é a interdependência global em casos como a epidemia de Aids. Estamos numa tremenda batalha para garantir nosso singular programa de combate à doença. Os grandes laboratórios internacionais, que argumentam sempre com suas necessidades de retorno para o capital investido, talvez não compreendam que o esforço contra a Aids é tarefa de todos.
O programa brasileiro, com todas as suas dificuldades, representa no fundo uma segurança a mais para os milhares de turistas sexuais que frequentam o Brasil. Se os governos entrarem na mesma linha dos laboratórios, recusando-se a pensar a Aids para além dos lucros imediatos, acabarão dando um tiro no pé.
Raciocinar com esses elementos realistas pode parecer chocante para um grupo de feministas que acredita ser possível acabar com a prostituição. Sou bastante cético quanto a isso. Enquanto essas meninas e suas famílias não tiverem grandes alternativas econômicas, elas continuarão esperando no aeroporto uma saída para seu impasse: alguns programas pagos e até mesmo a chance de se mudarem para a Europa.
Colocando as reservas morais momentaneamente entre parêntesis, o turismo sexual pode ser entendido como um grande movimento econômico, um ponto de equilíbrio na economia libidinal desse mundo maluco.
Os homens trabalham duro, economizam dinheiro e partem para o Terceiro Mundo em busca de mulheres mais jovens, mais audaciosas, mais exóticas.
Se você adicionar a esse apelo sexual as cores, a música e a sensualidade da comida exótica, verá que se trata de um pacote de felicidade capaz de iluminar por alguns dias sua vida de bocejos e chinelos felpudos nos lares dos países ricos.
É interessante registrar que essa busca talvez pudesse ser saciada num país como a Holanda, onde a prostituição é regulamentada. No entanto esse tipo de homem foge muitas vezes das mulheres européias. Querem mais emoção e calor e, sobretudo, rever um passado de dominação masculina, escassa nos países desenvolvidos, mas ainda não sepultada nos seus desejos inconscientes.
Às vezes esse processo resulta em mortes terríveis, como a dos seis empresários portugueses. Mas, para dizer a verdade, resultou também em inúmeros casamentos. Por mais que repugne aos moralistas, será necessário colocar a questão que invade outros setores de nossa vida: acabar com o turismo sexual ou conviver com ele, reduzindo seus danos?
Isso poderia ser objeto até de um encontro internacional dos países que vivem esse problema como anfitriões, em busca de uma tática comum na relação com os países que exportam seus homens com moeda forte e uma nostalgia de amores intensos.
Acho que nossos dirigentes talvez morressem de vergonha em admitir o problema e tentar resolvê-lo pela negociação. Preferem reafirmar, a cada instante, sua indignação moral. Se conhecessem o desencanto do homens europeus e a precariedade material de nossas meninas talvez aceitassem melhor uma nova tática.
Tudo isso não é novo no mundo. Quantas famílias não esconderam a tuberculose no passado, agravando ainda mais a devastação produzida pela doença?
O Brasil produz pacotes semanais de felicidade sensual e erótica, mas vai levar algum tempo para admitir isso com a sinceridade necessária.


Texto Anterior: Panorâmica - Intercâmbio: Belta fará exposição independente em 2002
Próximo Texto: Panorâmica - Esqui: American terá vôos diretos entre São Paulo e a estação de Steamboat
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.