São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2001

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TERRA DE LAGOAS

"Capitão Mouro" revela que muçulmano esteve em Palmares

O que livro tem, escola não ensinou

DA ENVIADA ESPECIAL A ALAGOAS

A mesma coincidência que trouxe o muçulmano Saifudin à capitania de Pernambuco, no século 17, trouxe às mãos do jornalista Georges Bourdoukan, 58, muitos anos depois, um manuscrito que atestava a existência de um mouro no quilombo dos Palmares (as terras ficam hoje a cerca de uma hora de Maceió, de carro). Até então, a façanha de resistir aos ataques do bandeirante genocida Domingos Jorge Velho era mérito quase que exclusivo de Zumbi.
E, se o reconhecimento à figura do líder dos Palmares ainda é proporcionalmente pequeno -em Alagoas mesmo são poucas as pessoas que conhecem de fato sua história e valor-, sabe-se menos ainda da importância que o mouro teve nos anos finais desse um século de resistência de Palmares.
Depois de passar os olhos no tal manuscrito -uma carta do então governador da capitania de Pernambuco dizendo que um certo mouro construíra fortificações para o quilombo- e de nada encontrar nos arquivos oficiais e bibliotecas, Bourdoukan constatou que, para a história do Brasil, até então Saifudin não existia.
Das pesquisas em Andaluzia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, obteve um bom material que, adicionado principalmente aos relatos de beduínos e berberes, deu origem ao "Capitão Mouro".
Nasceram então personagens como o senhor de engenho Epaminondas Conde e seu escravo e amante Gaspar, Maria Paim, a mulher branca de Zumbi, além da interessante e um tanto quanto cômica figura do merdeiro, cuja obrigação era recolher as fezes do seu senhor e dormir sob sua cama (para o caso de eventualidades).
Para que sua pesquisa não virasse mais um livro histórico e "esquecido nas prateleiras", Bourdoukan mesclou seus registros acumulados a diálogos fictícios que criou. Deu em literatura.
Ler "A Incrível e Fascinante História do Capitão Mouro" é como ouvir uma daquelas histórias que se conhece desde criança, mas entendendo o real significado dos fatos. O que era tratado como lenda, mito, revela-se em histórias fundamentadas. Explica-se o mal-de-bicho, o significado da letra F e da cruz gravadas em brasa nos corpos dos escravos, a falta de higiene dos brancos na cidade.
Quem vai hoje à cidade de União dos Palmares, do alto da serra da Barriga, pode reconstruir visualmente as situações narradas, com a mesma visão panorâmica que Zumbi tinha daquela nação de oprimidos. Mesmo sem a imensa floresta de palmeiras, hoje destruída, mesmo com as terras pertencendo aos "bandeirantes", isso ainda é possível.
Essas e outras histórias, a partir de agora, como diria Bourdoukan, "a história registra". (CF)


A INCRÍVEL E FASCINANTE HISTÓRIA DO CAPITÃO MOURO - De: Georges Bourdoukan. Editora: Sol & Chuva. Quanto: R$ 25 (216 págs.)


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