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DELÍRIO DE PEDRO
Cravada na Rússia, cidade optou por ocidentalização
Até o último czar, Nicolau 2º, fez questão de lembrar: "São Petersburgo é na Rússia, mas não é russa"
TUCA VIEIRA
ENVIADO ESPECIAL A SÃO PETERSBURGO
Pedro escolheu um lugar estratégico, expulsou os inimigos
e construiu ali uma fortaleza.
Contratou os melhores urbanistas e arquitetos disponíveis
e trouxe milhares de trabalhadores das regiões mais distantes. Eles limparam os terrenos,
drenaram os pântanos, construíram ruas, edifícios, canais,
portos, aterros e represas, a
grande custo financeiro e humano. Pedro transferiu a capital para esse lugar, moveu os
órgãos públicos, obrigou a nobreza a edificar palácios e fundou uma academia de ciências.
Proibiu construções semelhantes no resto do país. Fez tudo
por decreto, porque podia.
Com tempo e perseverança,
essa cidade cresceu, tornou-se
economicamente importante,
reuniu belezas arquitetônicas e
museus grandiosos. Atraiu estudantes, intelectuais e artistas
e tornou-se palco de transformações políticas que abalaram
o resto do mundo. Depois caiu
no esquecimento, resistiu bravamente aos invasores até ser
redescoberta como uma das
mais belas cidades do mundo.
Em 300 anos de vida passou
por três regimes e teve muitos
nomes, o primeiro igual ao último: São Petersburgo.
Embora pareça ter saído da
imaginação de algum escritor
de fábulas, a história da cidade
criada pelo czar Pedro, o Grande (1682-1725), dispensa fantasia. Os dramas e as belezas da
cidade podem ser comprovados e sentidos à primeira vista.
A identidade da cidade deve
muito à sua origem, que deu as
costas para uma Rússia secular
e colocou os olhos em direção
ao Ocidente das novas oportunidades. Até mesmo o último
czar, Nicolau 2º, fez questão de
lembrar: "São Petersburgo é na
Rússia, mas não é russa".
São Petersburgo foi desenhada com a racionalidade da geometria num plano de ruas retas
e num sistema de canais e ilhas.
Grandes perspectivas se abriram, ressaltando a horizontalidade geográfica. Os enormes
palácios parecem pequenos
diante do gigantismo visual que
a cidade proporciona.
Artificialidade e originalidade sempre estiveram juntas por
lá. Os esplêndidos edifícios da
nova capital, o traçado das ruas
e a vida social foram importados da Europa, mas a literatura,
a música e os eventos políticos
que a cidade gerou são difíceis
de imaginar em outro lugar.
Essa modernização imposta
de cima para baixo criou um
ambiente único de tensão social e riqueza intelectual. Foi lá
que Púchkin, Dostoiévski e Gógol escreveram. Lá, Tchaikovsky, Stravinsky e Shostakovich compuseram.
Muitos lugares estão associados a personalidades: Catarina,
a Grande, vivia com exuberância em Tsarskoe Selo. Rasputin
foi assassinado no palácio Yusupov. Púchkin escreveu seu
"Cavaleiro de Bronze" inspirado no monumento a Pedro, o
Grande, na praça dos Dezembristas. Dostoiévski ambientou
"Crime e Castigo" na região da
praça Sennaya. Lênin chegou
do exílio na estação Finlândia.
Some-se a isso a beleza natural. Plantada nos pântanos onde o rio Neva (que significa "lama") se encontra com o golfo
da Finlândia e dá acesso ao mar
Báltico, São Petersburgo é a
maior cidade do mundo ao norte de Moscou. Sua latitude gera
longas noites de inverno e longos dias de verão. E entre junho
e julho, a noite é tão curta que
praticamente deixa de existir
-é quando são celebradas as
famosas "noites brancas".
Hoje, a cidade tira proveito
de sua riqueza histórica e cultural. Turistas do mundo todo
vêm apreciar as obras do museu Hermitage, assistir aos espetáculos de balé no teatro Mariinsky ou cair na vida noturna.
Enquanto isso, a população revela a vocação cosmopolita de
São Petersburgo, tratando os
visitantes com naturalidade.
Receber estrangeiros é também a razão de ser local.
São Petersburgo vai além da
Rússia e é muito mais do que o
parque temático que muitas cidades da Europa se tornaram.
A cidade utópica, inventada e
reinventada em tão pouco tempo, revela aquilo que o ser humano tem de pior e de melhor.
Uma viagem a São Petersburgo ensina mais sobre o que
está à nossa volta do que sobre
o lugar propriamente visitado.
São Petersburgo, ou Petrogrado, ou Leningrado, ou São Petersburgo novamente, parece o
laboratório que homem escolheu para testar os limites de
sua capacidade de criação.
TUCA VIEIRA viajou a convite da Tchayka
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