São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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DELÍRIO DE PEDRO

Poema elogia estátua do fundador da cidade

"O Cavaleiro de Bronze", de Púchkin, é tido por muitos como a maior obra em verso da literatura russa

DO ENVIADO ESPECIAL A SÃO PETERSBURGO

Em uma cidade onde o real e simbólico se confundem, talvez nada carregue tantos significados como o monumento eqüestre a Pedro, o Grande, na atual praça dos Dezembristas.
A escultura foi encomendada ao escultor francês Étienne Falconet por Catarina, a Grande, e inaugurada em 1782, depois de doze anos de trabalho.
Mas o monumento ficou célebre a partir do poema de Púchkin "O Cavaleiro de Bronze", de 1833, considerado por muitos o maior poema da literatura russa, obra ao mesmo tempo estética e política, como convém ao espírito russo.
O poema começa com uma reverência ao czar e à construção da cidade, ressaltando o caráter divino da missão de Pedro e o embate entre a natureza e a civilização: "E ele pensou: aqui uma grande cidade será erguida, a natureza nos incumbiu de abrir uma janela para a Europa, os pés cravados junto ao mar". O próprio narrador declara seu amor à cidade: "Amo-te, orgulhosa criação de Pedro, amo a harmonia de tuas linhas e tuas margens de granito".
Seguindo a introdução reverente, o drama se inicia. Púchkin descreve a grande enchente de 1824, quando "o Neva selvagem, inchado e brutal, desabou sobre a cidade".
É neste cenário que aparece o herói do poema, o funcionário Evguêni, surpreendido pela tormenta no caminho de casa. Empoleirado numa pequena escultura com as "ondas vorazes a lamberem-lhe os pés", Evguêni tem os olhos fixos no horizonte, temendo por sua amada Paracha. Na mesma praça está o monumento a Pedro: "De costas para ele, orgulhoso em seu pedestal imóvel, de braço estendido, eleva-se o ídolo".
No dia seguinte, Evguêni busca Paracha, mas já era tarde, o lugar havia sido devastado. Evguêni enlouquece e vaga por dias pelas ruas de São Petersburgo, confundido com mendigos. Uma noite encontra-se novamente na praça, onde "o ídolo emergia da escuridão, montado em seu corcel de bronze".
O criador da cidade se torna também culpado pela tragédia: "Aquele cuja vontade fatal fizera a cidade emergir das águas, quão assustador parece agora envolto no nevoeiro! Que energia em seu cavalo orgulhoso!".
No mais famoso trecho do poema, o funcionário dirige-se diretamente ao czar. Evguêni rodeia o monumento e "seu sangue começa a ferver e uma chama arde-lhe o peito. Diante do monstro arrogante com os punhos e dentes cerrados, possuído por alguma força infernal, sibila com ódio: "Muito bem, arquiteto milagroso! Você não perde por esperar!'". Evguêni foge assustado, e o fantasma do cavaleiro de bronze passa a persegui-lo até a morte.
O "Cavaleiro de Bronze" influenciou toda uma geração de escritores ao representar o abismo entre os interesses de Estado e do homem comum. Evguêni é um dos célebres "homens sem importância" da literatura russa. Interpretações marxistas vêem no poema a centelha do conflito que levaria à Revolução de Outubro. (TV)


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