São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

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China

Gelo e luzes exaltam o kitsch em festival

ABAIXO DE ZERO Inverno em Harbin segue o lema "demais nunca é suficiente" em temporada de esculturas iluminadas

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A HARBIN

Botas para esqui, dois pares de meias de lã, cinco camadas de pulôveres e casacos. Dois pares de luvas, dois gorros, proteção especial para as orelhas e cachecol. E pijamas térmicos por baixo de tudo.
Com algumas variações, é assim que 2 milhões de turistas enfrentam temperaturas médias de - 20C (com mínimas de até -38C) em Harbin, cidade localizada no nordeste da China. Encapotados, eles vão atrás de um dos eventos mais desbragadamente kitsch do mundo, que acontece entre os meses de janeiro e fevereiro -o Festival do Gelo e da Neve.
Com esculturas coloridas de gelo, Harbin fatura com sua situação climática adversa. Às portas da Sibéria, perto do porto russo de Vladivostok, ela aproveita o prazer masoquista de milhões de turistas que visitam um dos lugares mais frios do planeta em pleno inverno.
No parque temático Mundo do Gelo e da Neve, criado há dez anos, estão espalhadas réplicas do Kremlin, do Partenon de Atenas, de templos chineses e da Grande Muralha -tudo iluminado a partir das 16h, quando a noite cai, com luzes roxas, verdes, alaranjadas, azuis e amarelas. Até a decoração natalina da avenida Paulista parece discreta em comparação.

Noel versus Buda
Um Buda branco de 23 metros de altura, todo esculpido em neve, com iluminação discreta, se transformou em lugar de oferendas. Mas é superado em tamanho por um Papai Noel de neve, com uma longuíssima barba branca, de 24 m de altura por 160 m de comprimento. Diversos prédios de gelo, alguns com 40 m de altura -o equivalente a um edifício de dez andares- imitam templos chineses e catedrais ortodoxas.
Milhares de artesãos trabalham nos blocos de gelo transportados até ali por caminhões e transformados em esculturas à base de serras elétricas.
Adeptas do lema "demais nunca é suficiente", as esculturas dão um jeito de espetacularizar os prédios homenageados. A catedral de Milão, por exemplo, deve ter parecido pequena para os escultores chineses - várias réplicas do templo foram feitas em série.

Disney glacial
No parque Zhaolin, o mais tradicional de Harbin, a edição deste ano faz uma homenagem ao mundo da Disney, patrocinada pelo próprio conglomerado norte-americano, interessado no mercado chinês.
Há esculturas de Pato Donald, Margarida e Ursinho Puff em neve e gelo, um portal com o formato das orelhas de Mickey e geladas versões dos castelos de Aladdin e da Cinderela.
Sem confiar no poder das esculturas, a Disney colocou fotos dos personagens em cima das construções, o que deixou o parque com cara de lojinha de suvenires. Em Harbin, a cópia superou o original.
Mais interessante é o vizinho rio Songhua, congelado no inverno, e que vira uma enorme pista de patinação, onde trenós puxados por cães deslizam com os turistas.

Vetado
Mas o festival não se resume aos dois parques. As esculturas de gelo viraram símbolo da cidade, estão na porta dos principais hotéis e prédios públicos, em canteiros nas avenidas e até em frente ao aeroporto.
O gelo virou o combustível do turismo na cidade. O festival de esculturas foi criado em 1963, mas foi logo proibido durante a Revolução Cultural chinesa, que o via como algo pequeno-burguês. Só voltou a ser realizado em 1985.
A partir dos anos 90, com o crescimento econômico chinês, Harbin turbinou as esculturas, que deixaram de ser pequenos dragões para se transformarem em torres de gelo.


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