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China
Gelo e luzes exaltam o kitsch em festival
ABAIXO DE ZERO Inverno em Harbin segue o lema "demais nunca é suficiente" em temporada de esculturas iluminadas
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A HARBIN
Botas para esqui, dois pares
de meias de lã, cinco camadas
de pulôveres e casacos. Dois pares de luvas, dois gorros, proteção especial para as orelhas e
cachecol. E pijamas térmicos
por baixo de tudo.
Com algumas variações, é assim que 2 milhões de turistas
enfrentam temperaturas médias de - 20C (com mínimas de
até -38C) em Harbin, cidade
localizada no nordeste da China. Encapotados, eles vão atrás
de um dos eventos mais desbragadamente kitsch do mundo, que acontece entre os meses de janeiro e fevereiro -o
Festival do Gelo e da Neve.
Com esculturas coloridas de
gelo, Harbin fatura com sua situação climática adversa. Às
portas da Sibéria, perto do porto russo de Vladivostok, ela
aproveita o prazer masoquista
de milhões de turistas que visitam um dos lugares mais frios
do planeta em pleno inverno.
No parque temático Mundo
do Gelo e da Neve, criado há dez
anos, estão espalhadas réplicas
do Kremlin, do Partenon de
Atenas, de templos chineses e
da Grande Muralha -tudo iluminado a partir das 16h, quando a noite cai, com luzes roxas,
verdes, alaranjadas, azuis e
amarelas. Até a decoração natalina da avenida Paulista parece
discreta em comparação.
Noel versus Buda
Um Buda branco de 23 metros de altura, todo esculpido
em neve, com iluminação discreta, se transformou em lugar
de oferendas. Mas é superado
em tamanho por um Papai
Noel de neve, com uma longuíssima barba branca, de 24 m
de altura por 160 m de comprimento. Diversos prédios de gelo, alguns com 40 m de altura
-o equivalente a um edifício de
dez andares- imitam templos
chineses e catedrais ortodoxas.
Milhares de artesãos trabalham nos blocos de gelo transportados até ali por caminhões
e transformados em esculturas
à base de serras elétricas.
Adeptas do lema "demais
nunca é suficiente", as esculturas dão um jeito de espetacularizar os prédios homenageados. A catedral de Milão, por
exemplo, deve ter parecido pequena para os escultores chineses - várias réplicas do templo
foram feitas em série.
Disney glacial
No parque Zhaolin, o mais
tradicional de Harbin, a edição
deste ano faz uma homenagem
ao mundo da Disney, patrocinada pelo próprio conglomerado norte-americano, interessado no mercado chinês.
Há esculturas de Pato Donald, Margarida e Ursinho Puff
em neve e gelo, um portal com o
formato das orelhas de Mickey
e geladas versões dos castelos
de Aladdin e da Cinderela.
Sem confiar no poder das esculturas, a Disney colocou fotos
dos personagens em cima das
construções, o que deixou o
parque com cara de lojinha de
suvenires. Em Harbin, a cópia
superou o original.
Mais interessante é o vizinho
rio Songhua, congelado no inverno, e que vira uma enorme
pista de patinação, onde trenós
puxados por cães deslizam com
os turistas.
Vetado
Mas o festival não se resume
aos dois parques. As esculturas
de gelo viraram símbolo da cidade, estão na porta dos principais hotéis e prédios públicos,
em canteiros nas avenidas e até
em frente ao aeroporto.
O gelo virou o combustível do
turismo na cidade. O festival de
esculturas foi criado em 1963,
mas foi logo proibido durante a
Revolução Cultural chinesa,
que o via como algo pequeno-burguês. Só voltou a ser realizado em 1985.
A partir dos anos 90, com o
crescimento econômico chinês, Harbin turbinou as esculturas, que deixaram de ser pequenos dragões para se transformarem em torres de gelo.
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