São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009

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egito antigo

ZAHI HAWASS EGIPTÓLOGO

"Balanço entre turismo e preservação é nosso desafio"

NOVO CENÁRIO>> Secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades egípcio fala sobre medidas de sua gestão

MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL

É difícil pensar em um grande acontecimento arqueológico no Egito nos últimos anos sem a presença de Zahi Hawass. Mais difícil ainda é encontrar um programa de TV sobre o assunto sem a participação empolgada desse arqueólogo egípcio, que encarna o especialista de plantão pronto para comentar e explicar os mistérios do antigo Egito ao grande público.
Desde 2002, quando assumiu o cargo de secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades (SCA, na sigla em inglês) do Egito, Hawass, 61, parece uma figura onipresente na egiptologia. Frente ao SCA -órgão com cerca de 30 mil funcionários, responsável por museus, monumentos, sítios arqueológicos e escavações-, ele deu início a um plano ambicioso para preservar os tesouros da civilização egípcia e valorizar a herança cultural do país.
Para tanto, começou a construir e renovar museus -19 ao todo, incluindo o Grande Museu Egípcio, anunciado como o maior do gênero- e novos locais de armazenamento de antiguidades. Outras medidas foram a criação de novas regras para arqueólogos e missões estrangeiras -incluindo o treinamento de egípcios na área- e a inauguração de centros de visitantes e sistemas de segurança em atrações turísticas. Foram implementados planos de gerenciamento para museus e monumentos. Estes últimos passaram a integrar um sistema de rotação para preservação: enquanto um deles é fechado para manutenção e restauração, os outros permanecem abertos para os turistas.
Hawass sabe explorar a mídia. Seja à frente de novas descobertas, como a câmara com 22 múmias e oito sarcófagos em Saqqara, no mês passado, seja em programas de TV, com seu indefectível chapéu à Indiana Jones -ele até já ganhou um Emmy por sua participação em um documentário da rede americana CBS-, o arqueólogo não perde a chance de alcançar o grande público. Seu website (http://drhawass.com) tem até um fã-clube oficial. Outro motivo que contribuiu para a fama de Hawass é seu gosto por controvérsias -como a causada por seu pedido, em 2003, de devolução ao Egito de cinco artefatos que ele considera essenciais para a herança cultural egípcia, entre eles a pedra de Roseta, no Museu Britânico desde 1802. As controvérsias, a superexposição na mídia e as novas regras para exploradores estrangeiros granjearam a Hawass uma série de desafetos. Seus críticos o acusam de decisões arbitrárias, autopromoção excessiva e uma queda por frases de efeito com pouco cunho científico. Ele dá de ombros. "É inveja", diz. Leia trechos da entrevista exclusiva concedida por ele à Folha, por e-mail.

 

FOLHA - Você completa em 2009 sete anos como secretário-geral do SCA. Quais foram as principais conquistas no período?
ZAHI HAWASS
- Quando assumi em 2002, uma das minhas primeiras iniciativas foi colocar em ação uma estratégia de cinco pontos para a proteção dos monumentos do Egito. O primeiro ponto foi transformar museus de depósitos ultrapassados em instituições culturais e educacionais de nível mundial. Marcos como o museu de Arte Islâmica, no Cairo, estão sendo renovados, e novos museus estão sendo construídos. O segundo foi aumentar a consciência entre os egípcios de sua herança cultural e histórica, e implementamos programas educacionais para crianças e adultos. O terceiro era proteger as antiguidades de pilhagens e destruição. Estamos melhorando a segurança dos monumentos e construindo mais locais de armazenamento. Ao mesmo tempo, estamos em um processo de mudança das leis sobre roubo, exportação ilegal e destruição de artefatos e monumentos. Isso dá apoio ao nosso quarto ponto: a repatriação de artefatos roubados. E o quinto objetivo, o desenvolvimento de programas de gerenciamento para os monumentos sob nosso cuidado, permanece sendo uma das tarefas mais desafiadoras da história do SCA.

FOLHA - E os percalços?
HAWASS
- Eu encaro qualquer desafio logo de cara e resolvo o problema. Quando assumi, o treinamento entre os empregados do SCA não era o que deveria ser. Meu maior desafio vem sendo treinar meus funcionários nas áreas de conservação, restauração e técnicas arqueológicas, para dar a eles autoridade para tomar decisões.

FOLHA - Em 2003, o sr. disse que o Egito planejava abrir 13 novos museus. Poderia nos dar um balanço?
HAWASS
- Agora, temos planos de abrir 19 novos museus [entre instituições renovadas e ampliadas e novas construções]. Em 2009, vamos abrir o museu Rashid, em Rosetta, o museu de Joias, em Alexandria, o museu Islâmico, no Cairo, o museu Têxtil, no Cairo antigo, o museu Suez e o museu do Crocodilo em Kom Ombo. Outros museus que serão abertos logo são o Sohag, o Akhenaten, em Minya, o Museu Nacional da Civilização Egípcia, no Cairo, o Ismalia, o Port Said, o Zagazig, o Grecorromano, em Alexandria, assim como os museus Mosaico, Marinho e Submarino. E, é claro, o Grande Museu Egípcio em Gizé. Sua inauguração está programada para 2012. Contratamos recentemente empresas para a construção e a gerência do museu.

FOLHA - Como está funcionando o sistema de rotação até agora?
HAWASS
- O sistema de rotação é necessário para proteger e preservar a integridade dos monumentos e está funcionando muito bem.

FOLHA - O Egito consegue conciliar o turismo em massa e a conservação e restauração dos monumentos?
HAWASS
- Essa é uma grande questão para nós, encontrar um balanço entre nossas necessidades de turismo e de conservar e preservar os monumentos. O sistema de rotação é uma maneira de reconciliar essas diferenças. Outra é nosso programa de gerenciamento dos locais. Muita gente da indústria do turismo pensa apenas em trazer tours ao Egito; estão preocupados com quantidade, e não com qualidade. Com o gerenciamento de monumentos, tentamos criar uma experiência que realmente valha o tempo e o dinheiro dos visitantes, e isso vai ajudar a alcançar um balanço entre quantidade e qualidade. Estamos implementando um plano de conservação e zonas seguras, construindo centros de visitantes com informações e instalações mais limpas e eficientes.

FOLHA - Como foi o investimento no treinamento de profissionais egípcios no campo arqueológico?
HAWASS
- Pedimos às expedições estrangeiras para abrir escolas ao ar livre para treinar jovens egípcios em arqueologia, conservação e restauração. Agora temos 500 egípcios bem treinados e qualificados para ensinar essas técnicas a outros egípcios. Também pedimos à Unesco e à Usaid [Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional] para abrir programas de treinamento para funcionários de museus.

FOLHA - O sr. poderia detalhar as novas regras para missões de exploração estrangeiras no Egito?
HAWASS
- O SCA criou um departamento para reforçar essas regras e fiscalizar expedições estrangeiras. Agora há um sistema que padroniza o processo de pedidos, as concessões, os regulamentos de segurança, a responsabilidade das missões e a conservação e proteção de artefatos. Todos os escavadores estrangeiros devem ser afiliados a uma universidade estabelecida ou instituição reconhecida; não serão dadas permissões a quem não é profissional da área. Pelos próximos dez anos, pedidos de concessões serão aceitos apenas para sítios nos desertos ocidental e oriental e a região do delta [do Nilo]. Nenhuma nova concessão será dada para as regiões no sul, exceto para restauração, preservação, pesquisa arqueológica, documentação e trabalho epigráfico.

FOLHA - E como vai a construção de locais de armazenamento?
HAWASS
- Trinta e seis já estão prontos, e vamos construir mais cinco neste ano. A maioria dos artefatos armazenados já está registrada, mas não de maneira sistemática. Agora estamos ensinando nossos funcionários a recatalogá-los com base em um sistema único.

FOLHA - Os novos locais de armazenamento resolvem o problema dos atrasos na classificação dos artefatos ou há a necessidade de mais funcionários especializados?
HAWASS
- Eles podem ajudar a resolver os atrasos porque são bem organizados, iluminados e acessíveis. Os artefatos estão mais bem protegidos. Nos livramos dos antigos depósitos, que eram de tijolos de barro e não muito seguros. Com os novos locais, a conservação fica mais fácil. Não há necessidade de mais pessoal especializado.

FOLHA - Há algum progresso em seu pedido para repatriar as cinco peças que o sr. considera essenciais para a herança cultural egípcia [veja quadro ao lado]?
HAWASS
- Sim. Nós entramos em discussões com os museus e esperamos poder anunciar logo o resultado das negociações.

FOLHA - O sr. poderia comentar o trabalho feito no Cairo antigo?
HAWASS
- O Cairo antigo está lindo agora. Mais de 33 monumentos foram restaurados: casas, mesquitas, museus. Os veículos foram proibidos de circular, e as ruas estão iluminadas.

FOLHA - Alguns de seus críticos o acusam de ser "midiático demais" e de autopromoção excessiva. Como o sr. vê essas críticas?
HAWASS
- Acho que é inveja. Todos os acadêmicos procuram a mídia para apoiar seus trabalhos. Eu nunca cacei um repórter. Eles vêm até mim. A SCA conseguiu mais realizações nos últimos seis anos do que no último século. Repórteres pedem entrevistas e tenho de recusar 50% delas. Acho que meus críticos simplesmente não gostam do que eu faço. Estão com inveja, mas o que eles dizem não me importa. Sei que estou fazendo o que é correto.


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