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egito antigo
ZAHI HAWASS EGIPTÓLOGO
"Balanço entre turismo e preservação é nosso desafio"
NOVO CENÁRIO>> Secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades egípcio fala sobre medidas de sua gestão
MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL
É difícil pensar em um grande acontecimento arqueológico no Egito nos últimos anos
sem a presença de Zahi Hawass. Mais difícil ainda é encontrar um programa de TV sobre o assunto sem a participação empolgada desse arqueólogo egípcio, que encarna o especialista de plantão pronto para
comentar e explicar os mistérios do antigo Egito ao grande
público.
Desde 2002, quando assumiu o cargo de secretário-geral
do Conselho Supremo de Antiguidades (SCA, na sigla em inglês) do Egito, Hawass, 61, parece uma figura onipresente na
egiptologia. Frente ao SCA
-órgão com cerca de 30 mil
funcionários, responsável por
museus, monumentos, sítios
arqueológicos e escavações-,
ele deu início a um plano ambicioso para preservar os tesouros da civilização egípcia e valorizar a herança cultural do país.
Para tanto, começou a construir e renovar museus -19 ao
todo, incluindo o Grande Museu Egípcio, anunciado como o
maior do gênero- e novos locais de armazenamento de antiguidades.
Outras medidas foram a criação de novas regras para arqueólogos e missões estrangeiras -incluindo o treinamento
de egípcios na área- e a inauguração de centros de visitantes e sistemas de segurança em
atrações turísticas. Foram implementados planos de gerenciamento para museus e monumentos. Estes últimos passaram a integrar um sistema de
rotação para preservação: enquanto um deles é fechado para
manutenção e restauração, os
outros permanecem abertos
para os turistas.
Hawass sabe explorar a mídia. Seja à frente de novas descobertas, como a câmara com
22 múmias e oito sarcófagos
em Saqqara, no mês passado,
seja em programas de TV, com
seu indefectível chapéu à Indiana Jones -ele até já ganhou
um Emmy por sua participação
em um documentário da rede
americana CBS-, o arqueólogo
não perde a chance de alcançar
o grande público. Seu website
(http://drhawass.com) tem
até um fã-clube oficial.
Outro motivo que contribuiu
para a fama de Hawass é seu
gosto por controvérsias -como a causada por seu pedido,
em 2003, de devolução ao Egito de cinco artefatos que ele
considera essenciais para a herança cultural egípcia, entre
eles a pedra de Roseta, no Museu Britânico desde 1802.
As controvérsias, a superexposição na mídia e as novas regras para exploradores estrangeiros granjearam a Hawass
uma série de desafetos. Seus
críticos o acusam de decisões
arbitrárias, autopromoção excessiva e uma queda por frases
de efeito com pouco cunho
científico. Ele dá de ombros. "É
inveja", diz. Leia trechos da entrevista exclusiva concedida
por ele à Folha, por e-mail.
FOLHA - Você completa em 2009
sete anos como secretário-geral do
SCA. Quais foram as principais conquistas no período?
ZAHI HAWASS - Quando assumi
em 2002, uma das minhas primeiras iniciativas foi colocar
em ação uma estratégia de cinco pontos para a proteção dos
monumentos do Egito. O primeiro ponto foi transformar
museus de depósitos ultrapassados em instituições culturais
e educacionais de nível mundial. Marcos como o museu de
Arte Islâmica, no Cairo, estão
sendo renovados, e novos museus estão sendo construídos.
O segundo foi aumentar a consciência entre os egípcios de sua
herança cultural e histórica, e
implementamos programas
educacionais para crianças e
adultos. O terceiro era proteger
as antiguidades de pilhagens e
destruição. Estamos melhorando a segurança dos monumentos e construindo mais locais de armazenamento. Ao
mesmo tempo, estamos em um
processo de mudança das leis
sobre roubo, exportação ilegal e
destruição de artefatos e monumentos. Isso dá apoio ao
nosso quarto ponto: a repatriação de artefatos roubados. E o
quinto objetivo, o desenvolvimento de programas de gerenciamento para os monumentos
sob nosso cuidado, permanece
sendo uma das tarefas mais desafiadoras da história do SCA.
FOLHA - E os percalços?
HAWASS - Eu encaro qualquer
desafio logo de cara e resolvo o
problema. Quando assumi, o
treinamento entre os empregados do SCA não era o que deveria ser. Meu maior desafio vem
sendo treinar meus funcionários nas áreas de conservação,
restauração e técnicas arqueológicas, para dar a eles autoridade para tomar decisões.
FOLHA - Em 2003, o sr. disse que o
Egito planejava abrir 13 novos museus. Poderia nos dar um balanço?
HAWASS - Agora, temos planos
de abrir 19 novos museus [entre instituições renovadas e
ampliadas e novas construções]. Em 2009, vamos abrir o
museu Rashid, em Rosetta, o
museu de Joias, em Alexandria,
o museu Islâmico, no Cairo, o
museu Têxtil, no Cairo antigo,
o museu Suez e o museu do
Crocodilo em Kom Ombo. Outros museus que serão abertos
logo são o Sohag, o Akhenaten,
em Minya, o Museu Nacional
da Civilização Egípcia, no Cairo, o Ismalia, o Port Said, o Zagazig, o Grecorromano, em Alexandria, assim como os museus
Mosaico, Marinho e Submarino. E, é claro, o Grande Museu
Egípcio em Gizé. Sua inauguração está programada para 2012.
Contratamos recentemente
empresas para a construção e a
gerência do museu.
FOLHA - Como está funcionando o
sistema de rotação até agora?
HAWASS - O sistema de rotação
é necessário para proteger e
preservar a integridade dos
monumentos e está funcionando muito bem.
FOLHA - O Egito consegue conciliar
o turismo em massa e a conservação
e restauração dos monumentos?
HAWASS - Essa é uma grande
questão para nós, encontrar
um balanço entre nossas necessidades de turismo e de conservar e preservar os monumentos. O sistema de rotação é
uma maneira de reconciliar essas diferenças. Outra é nosso
programa de gerenciamento
dos locais. Muita gente da indústria do turismo pensa apenas em trazer tours ao Egito;
estão preocupados com quantidade, e não com qualidade.
Com o gerenciamento de monumentos, tentamos criar uma
experiência que realmente valha o tempo e o dinheiro dos visitantes, e isso vai ajudar a alcançar um balanço entre quantidade e qualidade. Estamos
implementando um plano de
conservação e zonas seguras,
construindo centros de visitantes com informações e instalações mais limpas e eficientes.
FOLHA - Como foi o investimento
no treinamento de profissionais
egípcios no campo arqueológico?
HAWASS - Pedimos às expedições estrangeiras para abrir escolas ao ar livre para treinar jovens egípcios em arqueologia,
conservação e restauração.
Agora temos 500 egípcios bem
treinados e qualificados para
ensinar essas técnicas a outros
egípcios. Também pedimos à
Unesco e à Usaid [Agência dos
EUA para o Desenvolvimento
Internacional] para abrir programas de treinamento para
funcionários de museus.
FOLHA - O sr. poderia detalhar as
novas regras para missões de exploração estrangeiras no Egito?
HAWASS - O SCA criou um departamento para reforçar essas
regras e fiscalizar expedições
estrangeiras. Agora há um sistema que padroniza o processo
de pedidos, as concessões, os
regulamentos de segurança, a
responsabilidade das missões e
a conservação e proteção de artefatos. Todos os escavadores
estrangeiros devem ser afiliados a uma universidade estabelecida ou instituição reconhecida; não serão dadas permissões
a quem não é profissional da
área. Pelos próximos dez anos,
pedidos de concessões serão
aceitos apenas para sítios nos
desertos ocidental e oriental e a
região do delta [do Nilo]. Nenhuma nova concessão será dada para as regiões no sul, exceto
para restauração, preservação,
pesquisa arqueológica, documentação e trabalho epigráfico.
FOLHA - E como vai a construção de
locais de armazenamento?
HAWASS - Trinta e seis já estão
prontos, e vamos construir
mais cinco neste ano. A maioria
dos artefatos armazenados já
está registrada, mas não de maneira sistemática. Agora estamos ensinando nossos funcionários a recatalogá-los com base em um sistema único.
FOLHA - Os novos locais de armazenamento resolvem o problema dos
atrasos na classificação dos artefatos ou há a necessidade de mais funcionários especializados?
HAWASS - Eles podem ajudar a
resolver os atrasos porque são
bem organizados, iluminados e
acessíveis. Os artefatos estão
mais bem protegidos. Nos livramos dos antigos depósitos,
que eram de tijolos de barro e
não muito seguros. Com os novos locais, a conservação fica
mais fácil. Não há necessidade
de mais pessoal especializado.
FOLHA - Há algum progresso em
seu pedido para repatriar as cinco
peças que o sr. considera essenciais
para a herança cultural egípcia [veja
quadro ao lado]?
HAWASS - Sim. Nós entramos
em discussões com os museus e
esperamos poder anunciar logo
o resultado das negociações.
FOLHA - O sr. poderia comentar o
trabalho feito no Cairo antigo?
HAWASS - O Cairo antigo está
lindo agora. Mais de 33 monumentos foram restaurados: casas, mesquitas, museus. Os veículos foram proibidos de circular, e as ruas estão iluminadas.
FOLHA - Alguns de seus críticos o
acusam de ser "midiático demais" e
de autopromoção excessiva. Como
o sr. vê essas críticas?
HAWASS - Acho que é inveja.
Todos os acadêmicos procuram a mídia para apoiar seus
trabalhos. Eu nunca cacei um
repórter. Eles vêm até mim. A
SCA conseguiu mais realizações nos últimos seis anos do
que no último século. Repórteres pedem entrevistas e tenho
de recusar 50% delas. Acho que
meus críticos simplesmente
não gostam do que eu faço. Estão com inveja, mas o que eles
dizem não me importa. Sei que
estou fazendo o que é correto.
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