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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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FERNANDO GABEIRA

Novo turismo para o planeta em mutação

Turim - De novo na Europa para uma conferência sobre mudanças climáticas, constato que ao menos as empresas aéreas mudaram. E muito. Já não nos brindam mais com aqueles conjuntos que tinham creme dental, escova, pente, bálsamo de lábio, graxa de sapato, escova de roupa e venda para os olhos.
Agora não se dá mais nada, e o vinho também não é mais aquele. Dá para sentir que está havendo uma grande transformação depois do 11 de setembro. Ninguém sabe para onde nos levará, mas a revista "Newsweek" da semana passada acredita que tenha localizado o viajante do futuro e fez disso sua capa. As pessoas estão viajando mais em seus próprios países e escapando de multidões, buscando os lugares mais remotos e seguros. É uma ilusão pensar que os lugares inseguros não têm vez. Há agências trabalhando, exclusivamente, com o turismo político, levando jovens para onde as coisas acontecem, como a Palestina, ou para onde aconteceram num passado próximo, como Chiapas (México).
O Brasil acaba de lançar um plano de turismo, mas temo que essas novas linhas dinâmicas não estejam sendo discutidas como mereciam. Tudo muda muito rápido e seria preciso também muita rapidez para interpretar e explorar os câmbios. Primeiro, foi o 11 de setembro; depois, a guerra no Iraque e, finalmente, a Sars.
A França continua liderando a lista dos países que recebem mais turistas, com 75 milhões de visitantes. É quase 20 vezes mais visitada que o Brasil. A Espanha está bem situada em segundo lugar, na frente dos EUA, da Italia e da China. Não quero entrar na discussão que parece a do ovo e da galinha, mas sinto que, neste momento, já não se trata mais de investir apenas. É preciso investir com uma análise precisa do potencial, sabendo exatamente que público se quer atingir.
Tanto no Brasil como na Europa, pelo menos na França e na Alemanha, discute-se muito a previdência social. Divulga-se a tese de que o sistema de repartição vai mal e que o pacto entre as gerações pode explodir no futuro.
Sugere-se a entrada do regime de capitalização, através do qual a pessoa pode gerir seu futuro, pagando o que gostaria para receber o que supõe precisar até o fim de sua vida. Desde que seu fundo de pensão não quebre também, como aconteceu com muitos.
A sensação que todo esse debate da previdência comunica, no auge de uma crise mundial, é que precisamos tomar muito cuidado com o futuro, pois nos enganamos com a ilusão de que ficaríamos cada vez mais ricos. O clima psicológico na esquerda européia é de apreensão com a crise: a experiência histórica mostra que uma de suas consequências é a tentativa de anular conquistas sociais. Acontece que na Alemanha a própria esquerda é que terá de achar o caminho de uma reforma responsável. Longe de mim dramatizar o momento. As pessoas continuarão consumindo e continuarão viajando.
É provável, no entanto, que mudem seus hábitos, que reflitam um pouco mais. O Brasil continua aspirando a ser um centro turístico mundial. Além disso, continua jogando suas fichas no aumento da exportação para abater dívidas e manter a economia em movimento. Precisamos aprender com as empresas japonesas de exportação, que alavancaram o país em momentos difíceis. Elas sempre investiram na informação e na análise. Tanto investiram no passado que começaram a gostar da atividade, hoje uma das mais lucrativas. Ganham dinheiro não apenas vendendo e comprando mercadorias materiais. Seu ramo ascendente de lucro são os dados e os conselhos de quem se informa mundialmente.
No Brasil, o presidente Lula disse que queria instalar um mascate em cada embaixada. Expressou com isso o desejo de ampliar nossa presença no mercado global. Seria importante que essa rede de vendedores com que o presidente sonha se materializasse também numa rede de analistas que nos indicassem possíveis caminhos. Claro que isso hoje já é feito por uma competente diplomacia. Mas os japoneses dessas grandes empresas investiram dinheiro e montaram uma estrutura pesada, com satélites, equipes nos EUA e nos países da Ásia.
A capacidade de antecipação de nossos cientistas e diplomatas colocou bem o Brasil no debate planetário sobre as mudanças climáticas. Isso nos capacita a aspirar aos investimentos em desenvolvimento sustentável que os países ricos terão de fazer para reduzir suas emissões de dióxido de carbono. Esse encontro das possibilidades abertas por uma análise adequada das tendências mundiais com os empresários brasileiros é que pode abrir algumas clareiras -como a mistura de álcool com gasolina nos países que precisam reduzir a emissão de poluentes. Assim como ajudou a formular a proposta, o Brasil pode ajudar a resolver esse problema.
Talvez esteja exagerando um pouco, coisa de fusos horários, mas a frase de Guimarães Rosa exprime tudo o que disse: "Sapo não pula por boniteza e sim por precisão". Comprei um livrinho aqui em Turim e o autor, Luciano Gallino, fez questão de enunciar uma longa frase na capa: "Políticos e empresários sem visão de futuro transformaram a Itália numa colônia industrial. Para recuperar o terreno, é preciso uma política com alta intensidade de trabalho e de conhecimento". Tentarei aprender com os italianos.



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