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FRONTEIRA VERDE
Brasileiro parece em extinção na Amazônia
Embora em pauta devido ao aumento do desmatamento, região é visitada principalmente por estrangeiros
Heloisa Lupinacci/Folha Imagem
| Guia conduz voadeira em igapó formado no rio Urubu |
HELOISA LUPINACCI
ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA
O assunto desmatamento da
Amazônia sempre esteve em
pauta, mas, desde o fim do ano
passado, quando foram divulgados dados do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais; www.inpe.br) anunciando que o deflorestamento voltou a crescer, as atenções se voltaram mais fortemente para
a região, que tenta sobreviver
entre o desmate e a queimada.
Não é sem porquê. Em janeiro, foram devastados 639,1
km2, área equivalente a 40% da
cidade de São Paulo. Em fevereiro, período de cheia, em que
antes não era medido o desmatamento por ser época de chuvas e, portanto, de pausa no
abate da mata, foram 724 km2,
12% a mais do que foi apontado
na medição de janeiro.
Além de ocupar o noticiário
pela destruição -ontem a Folha noticiou que as queimadas
podem ser mais graves que o
desmate-, a floresta ganha
atenção pela mobilização em
torno de sua preservação. De
mostra de arte a abaixo-assinados liderados por artistas de
TV, a floresta está em voga. Até
o chef catalão Ferran Adriá, celebridade mundial, esteve lá no
mês passado para provar os sabores amazônicos.
Babel
Mas, ao viajar para um hotel
de selva, os brasileiros parecem
uma espécie em extinção. No
período em que a Folha esteve
no Amazonat Jungle Lodge,
onde hospedou-se a convite,
havia dois australianos, dois
alemães, dois sírios e um inglês. O dono é holandês, o guia
que acompanhou a reportagem, peruano, e o gerente, italiano. Há um esforço para aumentar o número de funcionários brasileiros no estafe, mas é
notável que o idioma mais usado seja o inglês -parte dos sites dos hotéis, inclusive do
Amazonat, não têm versão em
português e uma porção de estabelecimentos fornecem preços de diárias em dólares.
Também não é sem porquê.
Segundo o departamento de
registro e fiscalização da Amazonastur (órgão de turismo do
Estado do Amazonas), a maior
parte dos turistas estrangeiros
é norte-americano. Do total de
turistas, em hotéis urbanos e
de selva, 43% são estrangeiros.
Abacaxi
O desmatamento é o tema
número um das conversas entre os hóspedes. Apesar de os
Estados do Pará, de Rondônia e
do Mato Grosso formarem a
chamada tríade da devastação,
o Estado do Amazonas, onde se
concentra a maior parte dos
hotéis e barcos turísticos, não
está livre de ameaças.
Nos trajetos percorridos de
van ou de barco pela reportagem, avistam-se terrenos pelados, ocupados por gado, ouvem-se motosserras de quando em quando e ali, in loco, o viajante é apresentado a outras
forças que empurram a floresta
para áreas cada vez menores.
Jacques Van Egeraat, dono
do Amazonat, alerta para a expansão do cultivo do abacaxi.
"A principal ameaça que temos
hoje à mata do hotel [a propriedade, de 50 km2 é tomada, em
grande parte, por floresta primária] é o cultivo do abacaxi. A
população desmata para plantar a fruta." Um dos projetos do
hotel é conscientizar a população de que a floresta é mais valiosa de pé do que desmatada.
O outro alerta de Van Egeraat é quanto ao desflorestamento praticado pelos próprios hotéis da região. Questionado pela Folha se o turismo é
uma forma de proteger a mata,
van Egeraat reage: "Pelo contrário. Há hotéis que, durante
os passeios, cortam pedaços de
vegetação para demonstrações.
Há espécies de plantas, como o
cipó-d'água, que podem morrer inteiras se tiverem um pedaço cortado". Ele resiste a dar
exemplos, mas diz que a região
do rio Negro registra queda na
quantidade de cipó-d'água.
Em parceria com diversas
instituições, como a National
Geographic Society (www.nationalgeographic.com) e a
WWF (World Wild Foundation; www.wwf.org.br), o holandês -que trabalhava como engenheiro mecânico em empresas ligadas ao ramo petrolífero antes de criar o lodge- toca projetos de pesquisa ligados
a universidades estrangeiras.
Instado a citar outro resort que
considere bom exemplo, cita o
Cristalino Jungle Lodge.
Verde
Não são só os hotéis de selva
que se reúnem a instituições
para buscar a preservação da
floresta. A rede Marriott, que,
segundo Jorge Berrio, presidente do conselho de negócios
do grupo, não tem plano de instalar hotel na área, fechou acordo com o Estado do Amazonas
e com a Fundação pela Sustentabilidade do Amazonas para
destinar US$ 2 milhões à conservação de uma reserva de
5.670 km2.
Diante da avalanche de iniciativas e do debate sobre a
preservação, é incômodo que
se veja tão poucos turistas brasileiros ali. Inevitável pensar
-depois de apanhar um barco
cheio de norte-americanos ou
de voar de SP a Manaus e de
Manaus a SP em aviões em que
a língua predominante é o inglês- que a Amazônia já não é
lá tão nossa assim.
O preço é, em geral, o primeiro fator apontado para afastar
brasileiros da região. O pacote
mais barato desta edição custa
R$ 1.500; e a menor diária, no
Malocas Jungle Lodge, com
dois dias de passeios, uma noite de hospedagem e pensão
completa, custa R$ 300 por
pessoa, em quarto duplo. A
desculpa do preço, portanto,
não funciona mais muito.
HELOISA LUPINACCI viajou a convite do Amazonat Jungle Lodge
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