São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

Próximo Texto | Índice

FRONTEIRA VERDE

Brasileiro parece em extinção na Amazônia

Embora em pauta devido ao aumento do desmatamento, região é visitada principalmente por estrangeiros

Heloisa Lupinacci/Folha Imagem
Guia conduz voadeira em igapó formado no rio Urubu


HELOISA LUPINACCI
ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA

O assunto desmatamento da Amazônia sempre esteve em pauta, mas, desde o fim do ano passado, quando foram divulgados dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; www.inpe.br) anunciando que o deflorestamento voltou a crescer, as atenções se voltaram mais fortemente para a região, que tenta sobreviver entre o desmate e a queimada.
Não é sem porquê. Em janeiro, foram devastados 639,1 km2, área equivalente a 40% da cidade de São Paulo. Em fevereiro, período de cheia, em que antes não era medido o desmatamento por ser época de chuvas e, portanto, de pausa no abate da mata, foram 724 km2, 12% a mais do que foi apontado na medição de janeiro.
Além de ocupar o noticiário pela destruição -ontem a Folha noticiou que as queimadas podem ser mais graves que o desmate-, a floresta ganha atenção pela mobilização em torno de sua preservação. De mostra de arte a abaixo-assinados liderados por artistas de TV, a floresta está em voga. Até o chef catalão Ferran Adriá, celebridade mundial, esteve lá no mês passado para provar os sabores amazônicos.

Babel
Mas, ao viajar para um hotel de selva, os brasileiros parecem uma espécie em extinção. No período em que a Folha esteve no Amazonat Jungle Lodge, onde hospedou-se a convite, havia dois australianos, dois alemães, dois sírios e um inglês. O dono é holandês, o guia que acompanhou a reportagem, peruano, e o gerente, italiano. Há um esforço para aumentar o número de funcionários brasileiros no estafe, mas é notável que o idioma mais usado seja o inglês -parte dos sites dos hotéis, inclusive do Amazonat, não têm versão em português e uma porção de estabelecimentos fornecem preços de diárias em dólares. Também não é sem porquê.
Segundo o departamento de registro e fiscalização da Amazonastur (órgão de turismo do Estado do Amazonas), a maior parte dos turistas estrangeiros é norte-americano. Do total de turistas, em hotéis urbanos e de selva, 43% são estrangeiros.

Abacaxi
O desmatamento é o tema número um das conversas entre os hóspedes. Apesar de os Estados do Pará, de Rondônia e do Mato Grosso formarem a chamada tríade da devastação, o Estado do Amazonas, onde se concentra a maior parte dos hotéis e barcos turísticos, não está livre de ameaças.
Nos trajetos percorridos de van ou de barco pela reportagem, avistam-se terrenos pelados, ocupados por gado, ouvem-se motosserras de quando em quando e ali, in loco, o viajante é apresentado a outras forças que empurram a floresta para áreas cada vez menores.
Jacques Van Egeraat, dono do Amazonat, alerta para a expansão do cultivo do abacaxi. "A principal ameaça que temos hoje à mata do hotel [a propriedade, de 50 km2 é tomada, em grande parte, por floresta primária] é o cultivo do abacaxi. A população desmata para plantar a fruta." Um dos projetos do hotel é conscientizar a população de que a floresta é mais valiosa de pé do que desmatada.
O outro alerta de Van Egeraat é quanto ao desflorestamento praticado pelos próprios hotéis da região. Questionado pela Folha se o turismo é uma forma de proteger a mata, van Egeraat reage: "Pelo contrário. Há hotéis que, durante os passeios, cortam pedaços de vegetação para demonstrações.
Há espécies de plantas, como o cipó-d'água, que podem morrer inteiras se tiverem um pedaço cortado". Ele resiste a dar exemplos, mas diz que a região do rio Negro registra queda na quantidade de cipó-d'água.
Em parceria com diversas instituições, como a National Geographic Society (www.nationalgeographic.com) e a WWF (World Wild Foundation; www.wwf.org.br), o holandês -que trabalhava como engenheiro mecânico em empresas ligadas ao ramo petrolífero antes de criar o lodge- toca projetos de pesquisa ligados a universidades estrangeiras. Instado a citar outro resort que considere bom exemplo, cita o Cristalino Jungle Lodge.

Verde
Não são só os hotéis de selva que se reúnem a instituições para buscar a preservação da floresta. A rede Marriott, que, segundo Jorge Berrio, presidente do conselho de negócios do grupo, não tem plano de instalar hotel na área, fechou acordo com o Estado do Amazonas e com a Fundação pela Sustentabilidade do Amazonas para destinar US$ 2 milhões à conservação de uma reserva de 5.670 km2.
Diante da avalanche de iniciativas e do debate sobre a preservação, é incômodo que se veja tão poucos turistas brasileiros ali. Inevitável pensar -depois de apanhar um barco cheio de norte-americanos ou de voar de SP a Manaus e de Manaus a SP em aviões em que a língua predominante é o inglês- que a Amazônia já não é lá tão nossa assim.
O preço é, em geral, o primeiro fator apontado para afastar brasileiros da região. O pacote mais barato desta edição custa R$ 1.500; e a menor diária, no Malocas Jungle Lodge, com dois dias de passeios, uma noite de hospedagem e pensão completa, custa R$ 300 por pessoa, em quarto duplo. A desculpa do preço, portanto, não funciona mais muito.


HELOISA LUPINACCI viajou a convite do Amazonat Jungle Lodge


Próximo Texto: Igapó condensa imagem da floresta
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.