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100 ANOS NA JUGULAR
Primeiro filme sobre vampiros foi produzido um ano antes do lançamento do romance de Stoker
Drácula é 'cult', feroz e pornô no cinema
especial para a Folha
Há uma gota de sangue em cada
filme da Hammer, a companhia
britânica que responde pela mais
recente -e lá vão 30 anos- produção em massa de filmes do Drácula. A festa, regada a muito ketchup, durou até os anos 70 e contou principalmente com o talento
do ator Christopher Lee e do diretor Terence Fisher.
Nesse tempo, os corredores da
Hammer Films também eram frequentados por Frankenstein, a
Múmia e o Lobisomem. Ahrrgh! A
companhia repetia a experiência
da produtora norte-americana
Universal Pictures, que, nos anos
30, lançou a moda dos filmes de
Drácula. Obteve enorme sucesso,
mas nunca a mesma atmosfera.
O fenômeno Drácula é anterior
aos filmes da Universal e Hammer
-há tantos filmes do Drácula,
vampiras e assemelhados quanto
alhos numa réstia. Já em 1896, um
ano após a primeira projeção de cinema, Georges Méliès fazia "Le
Manoir du Diable" (O Solar do
Diabo), sobre um morcego que vira Mefistófeles.
Na sequência, dezenas de produções com vampiros, até que, em
1920, na Hungria, Karoly Lajthay
rodou o primeiro filme inspirado
no romance de Bram Stoker,
"Drakula", que se perdeu. "Nosferatu, uma Sinfonia de Horror"
(1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, é a primeira obra-prima do
gênero, ainda hoje assustadora.
Murnau não obteve autorização
para adaptar o livro e mudou cenários e personagens. A ação se passa
no mar Báltico, e Max Schreck,
com orelhas à dr. Spock e unhas à
Zé do Caixão, é o conde Orlock.
Apesar de tudo, Murnau foi processado pela mulher de Stoker, e a
Justiça exigiu a destruição da obra.
Por sorte, o filme sobreviveu.
Quase 50 anos depois, o também
alemão Werner Herzog se inspirou no clássico de Murnau para fazer "Nosferatu, o Vampiro da
Noite" (1979). Klaus Kinski, apavorante como Max Schreck, é um
vampiro apaixonado e atormentado, que carrega o peso de seu destino e viaja à Alemanha num navio
repleto de ratos.
Tod Browning já tinha feito um
filme de vampiro quando, em
1931, adaptou para o cinema a peça
de Hamilton Deane e John F. Balderston, escrita a partir do romance de Stoker. O ator húngaro Bela
Lugosi, adequadamente nascido
na região da
Transilvânia,
fez o papel na
Broadway e o
repetiu na tela.
"Drácula"
(1931) foi o primeiro filme falado do gênero
e, naquele ano,
o maior sucesso da Universal. Nos anos
seguintes, gerou filhotes como "Dracula's
Daughter" (A
Filha de Drácula), "O Filho
de Drácula",
"The House of
Dracula" (A
Casa de Drácula), e por décadas serviu de
modelo aos filmes sobre o
vampiro.
Lugosi não conseguiu escapar do
papel, interpretando-o em fitas como "A Marca do Vampiro" e
"The Return of the Vampire" (A
Volta do Vampiro), até cair no deboche e participar, como Drácula,
das comédias de Abbott e Costello.
Enriqueceu, tornou-se viciado,
morreu pobre. Foi sepultado com
a capa preta de cetim.
No final dos anos 40, os filmes do
Drácula deram lugar às histórias
do produtor russo Val Lewton.
Mais sofisticadas, não aterrorizavam com monstros, mas com sugestão. É no final dos anos 50 que
se dá a volta, em grande estilo, do
personagem: "O Vampiro da Noite" (1958), de Terence Fisher, produzido pela Hammer Films.
O filme desloca o centro da produção vampiresca para a Inglaterra, elege Christopher Lee para o
papel e mostra a sangueira em
technicolor. Lee é o vampiro sedutor, e Peter Cushing, seu implacável caçador. Em dois anos, arrecadou oito vezes o seu custo e, a
exemplo do "Drácula" da Universal, gerou filhotes.
Lee voltou em "Drácula, o Príncipe das Trevas" (1965), de Fisher;
"Drácula, o Perfil do Diabo"
(1968), de Freddie Francis; "Sangue de Drácula" (1970); "O Conde Drácula" (1970), de Roy Ward
Baker etc. Drácula-Lee não assustava as mulheres, pelo contrário.
Entre os filhotes da Hammer estão "As Noivas do Vampiro", "O
Beijo do Vampiro" e "A Condessa Drácula". Drácula aparecia em
versões isoladas, e mais interessantes. Se "A Dança dos Vampiros" (1967), de Roman Polanski, é
uma comédia sobre vampiros,
"Drácula de Andy Warhol"
(1973), de Paul Morrisey, volta ao
personagem.
Discípulo de Andy Warhol -segundo alguns, a pessoa que colocou um pouco de ordem no seu
caos cinematográfico-, Morrisey
reflete os tempos da liberação sexual. Udo Kier é o conde Drácula,
como sempre sedento de sangue,
mas só pode tomar sangue de moças virgens. Um problema que ele
tenta resolver na Itália.
Ambos de 1979, "Drácula", de
John Badham, com Frank Langella, foi definido o mais lascivo filme de Drácula. "Amor à Primeira
Mordida", de Stan Dragosti, com
George Hamilton, também envereda pelo humor. Como eles, Jack
Palance, David Niven e Louis Jourdan tiveram, com resultados variáveis, seus dias de Drácula.
Houve um Drácula turco, ele já
foi ao Velho Oeste e à China imperial, transformou-se no conde
Alucard (Drácula ao contrário),
Frankenhausen (qualquer semelhança com Frankenstein não é
mera coincidência), Yorga
e quejando,
apareceu em
filmes pornográficos... Ufa!
Francis Ford
Coppola achou
que a bagunça
era muita -e
que o personagem ainda
atraía o público- e fez
"Drácula de
Bram Stoker"
(1992). Um
exercício de estilo que destaca
mais o romance entre Drácula e Mina do
que o vampirismo propriamente dito. A
caracterização
de Gary Oldman nada deve
às de Schreck e Kinski.
Curioso... Drácula exibia uma fina estampa, o monstro do dr.
Frankenstein era feio como a fome. Um era íntegro em sua maldade, o outro nada tinha de inteiro.
Drácula foi criado por um homem, o monstro, por uma mulher
(Mary Shelley). Nada em comum
e, no entanto, ao menos no cinema, suas "carreiras" são afins.
Quando Browning rodou "Drácula", a mesma Universal produziu "Frankenstein" (1931), de James Whale. Sem contar que, em
"O Filho de Frankenstein"
(1939), de Rowland V. Lee, é Bela
Lugosi, o Drácula, quem personifica o criado Igor, tão tétrico quanto o monstro. Na vida real, sabe-se,
Lugosi e Karloff foram rivais.
Parece que um pressupõe o outro. Foi assim na Universal, assim
na Hammer. Quando Paul Morrisey rodou o seu Drácula, ao mesmo tempo filmou "Frankenstein
de Andy Warhol". E o próprio
Coppola, depois de dirigir "Drácula de Bram Stoker", produziu
"Frankenstein de Mary Shelley"
(1994), de Kenneth Branagh.
Gostar desse ou daquele filme é
uma questão pessoal. Há quem
procure um clima gótico e há
quem não fique sem o trash explícito -caso de dois terços da produção do gênero. Há quem queira
o personagem complexo, vítima
da própria condição, e há quem se
contente com um Drácula chapado, todo sangue e ruindade.
Raymond T. McNally e Radu
Florescu, dois eminentes draculólogos, elegem os seis grandes filmes inspirados em Stoker.
Pela cronologia: "Nosferatu"
(Murnau), "Drácula" (Browning), "O Vampiro da Noite"
(Fisher), "Amor à Primeira Mordida" (Dragosti), "Drácula" (Badham) e "Drácula de Bram Stoker" (Coppola).
Pode discordar à vontade e escolher aquele Drácula que melhor
combinou com a sua pipoca. Ploc!
(FEDERICO MENGOZZI)
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