São Paulo, segunda, 11 de agosto de 1997.



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100 ANOS NA JUGULAR
Primeiro filme sobre vampiros foi produzido um ano antes do lançamento do romance de Stoker
Drácula é 'cult', feroz e pornô no cinema

especial para a Folha

Há uma gota de sangue em cada filme da Hammer, a companhia britânica que responde pela mais recente -e lá vão 30 anos- produção em massa de filmes do Drácula. A festa, regada a muito ketchup, durou até os anos 70 e contou principalmente com o talento do ator Christopher Lee e do diretor Terence Fisher.
Nesse tempo, os corredores da Hammer Films também eram frequentados por Frankenstein, a Múmia e o Lobisomem. Ahrrgh! A companhia repetia a experiência da produtora norte-americana Universal Pictures, que, nos anos 30, lançou a moda dos filmes de Drácula. Obteve enorme sucesso, mas nunca a mesma atmosfera.
O fenômeno Drácula é anterior aos filmes da Universal e Hammer -há tantos filmes do Drácula, vampiras e assemelhados quanto alhos numa réstia. Já em 1896, um ano após a primeira projeção de cinema, Georges Méliès fazia "Le Manoir du Diable" (O Solar do Diabo), sobre um morcego que vira Mefistófeles.
Na sequência, dezenas de produções com vampiros, até que, em 1920, na Hungria, Karoly Lajthay rodou o primeiro filme inspirado no romance de Bram Stoker, "Drakula", que se perdeu. "Nosferatu, uma Sinfonia de Horror" (1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, é a primeira obra-prima do gênero, ainda hoje assustadora.
Murnau não obteve autorização para adaptar o livro e mudou cenários e personagens. A ação se passa no mar Báltico, e Max Schreck, com orelhas à dr. Spock e unhas à Zé do Caixão, é o conde Orlock.
Apesar de tudo, Murnau foi processado pela mulher de Stoker, e a Justiça exigiu a destruição da obra. Por sorte, o filme sobreviveu.
Quase 50 anos depois, o também alemão Werner Herzog se inspirou no clássico de Murnau para fazer "Nosferatu, o Vampiro da Noite" (1979). Klaus Kinski, apavorante como Max Schreck, é um vampiro apaixonado e atormentado, que carrega o peso de seu destino e viaja à Alemanha num navio repleto de ratos.
Tod Browning já tinha feito um filme de vampiro quando, em 1931, adaptou para o cinema a peça de Hamilton Deane e John F. Balderston, escrita a partir do romance de Stoker. O ator húngaro Bela Lugosi, adequadamente nascido na região da Transilvânia, fez o papel na Broadway e o repetiu na tela.
"Drácula" (1931) foi o primeiro filme falado do gênero e, naquele ano, o maior sucesso da Universal. Nos anos seguintes, gerou filhotes como "Dracula's Daughter" (A Filha de Drácula), "O Filho de Drácula", "The House of Dracula" (A Casa de Drácula), e por décadas serviu de modelo aos filmes sobre o vampiro.
Lugosi não conseguiu escapar do papel, interpretando-o em fitas como "A Marca do Vampiro" e "The Return of the Vampire" (A Volta do Vampiro), até cair no deboche e participar, como Drácula, das comédias de Abbott e Costello. Enriqueceu, tornou-se viciado, morreu pobre. Foi sepultado com a capa preta de cetim.
No final dos anos 40, os filmes do Drácula deram lugar às histórias do produtor russo Val Lewton. Mais sofisticadas, não aterrorizavam com monstros, mas com sugestão. É no final dos anos 50 que se dá a volta, em grande estilo, do personagem: "O Vampiro da Noite" (1958), de Terence Fisher, produzido pela Hammer Films.
O filme desloca o centro da produção vampiresca para a Inglaterra, elege Christopher Lee para o papel e mostra a sangueira em technicolor. Lee é o vampiro sedutor, e Peter Cushing, seu implacável caçador. Em dois anos, arrecadou oito vezes o seu custo e, a exemplo do "Drácula" da Universal, gerou filhotes.
Lee voltou em "Drácula, o Príncipe das Trevas" (1965), de Fisher; "Drácula, o Perfil do Diabo" (1968), de Freddie Francis; "Sangue de Drácula" (1970); "O Conde Drácula" (1970), de Roy Ward Baker etc. Drácula-Lee não assustava as mulheres, pelo contrário.
Entre os filhotes da Hammer estão "As Noivas do Vampiro", "O Beijo do Vampiro" e "A Condessa Drácula". Drácula aparecia em versões isoladas, e mais interessantes. Se "A Dança dos Vampiros" (1967), de Roman Polanski, é uma comédia sobre vampiros, "Drácula de Andy Warhol" (1973), de Paul Morrisey, volta ao personagem.
Discípulo de Andy Warhol -segundo alguns, a pessoa que colocou um pouco de ordem no seu caos cinematográfico-, Morrisey reflete os tempos da liberação sexual. Udo Kier é o conde Drácula, como sempre sedento de sangue, mas só pode tomar sangue de moças virgens. Um problema que ele tenta resolver na Itália.
Ambos de 1979, "Drácula", de John Badham, com Frank Langella, foi definido o mais lascivo filme de Drácula. "Amor à Primeira Mordida", de Stan Dragosti, com George Hamilton, também envereda pelo humor. Como eles, Jack Palance, David Niven e Louis Jourdan tiveram, com resultados variáveis, seus dias de Drácula.
Houve um Drácula turco, ele já foi ao Velho Oeste e à China imperial, transformou-se no conde Alucard (Drácula ao contrário), Frankenhausen (qualquer semelhança com Frankenstein não é mera coincidência), Yorga e quejando, apareceu em filmes pornográficos... Ufa!
Francis Ford Coppola achou que a bagunça era muita -e que o personagem ainda atraía o público- e fez "Drácula de Bram Stoker" (1992). Um exercício de estilo que destaca mais o romance entre Drácula e Mina do que o vampirismo propriamente dito. A caracterização de Gary Oldman nada deve às de Schreck e Kinski.
Curioso... Drácula exibia uma fina estampa, o monstro do dr. Frankenstein era feio como a fome. Um era íntegro em sua maldade, o outro nada tinha de inteiro.
Drácula foi criado por um homem, o monstro, por uma mulher (Mary Shelley). Nada em comum e, no entanto, ao menos no cinema, suas "carreiras" são afins.
Quando Browning rodou "Drácula", a mesma Universal produziu "Frankenstein" (1931), de James Whale. Sem contar que, em "O Filho de Frankenstein" (1939), de Rowland V. Lee, é Bela Lugosi, o Drácula, quem personifica o criado Igor, tão tétrico quanto o monstro. Na vida real, sabe-se, Lugosi e Karloff foram rivais.
Parece que um pressupõe o outro. Foi assim na Universal, assim na Hammer. Quando Paul Morrisey rodou o seu Drácula, ao mesmo tempo filmou "Frankenstein de Andy Warhol". E o próprio Coppola, depois de dirigir "Drácula de Bram Stoker", produziu "Frankenstein de Mary Shelley" (1994), de Kenneth Branagh.
Gostar desse ou daquele filme é uma questão pessoal. Há quem procure um clima gótico e há quem não fique sem o trash explícito -caso de dois terços da produção do gênero. Há quem queira o personagem complexo, vítima da própria condição, e há quem se contente com um Drácula chapado, todo sangue e ruindade.
Raymond T. McNally e Radu Florescu, dois eminentes draculólogos, elegem os seis grandes filmes inspirados em Stoker.
Pela cronologia: "Nosferatu" (Murnau), "Drácula" (Browning), "O Vampiro da Noite" (Fisher), "Amor à Primeira Mordida" (Dragosti), "Drácula" (Badham) e "Drácula de Bram Stoker" (Coppola).
Pode discordar à vontade e escolher aquele Drácula que melhor combinou com a sua pipoca. Ploc! (FEDERICO MENGOZZI)



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