São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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Degustação "batiza" a ponta do nariz

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Da bandeja saem duas xícaras. Do mesmo formato, da mesma cor, com quantidades iguais de líquido (obtido pelo método da filtração). O ritual começa. O nariz da professora some dentro da xícara, e você faz o mesmo. Claro que vai com muita sede ao pote e erra no cálculo da distância. Como resultado, percebe que o nariz deve ter uma mancha marrom bem na ponta. O começo da aula não é nada promissor.
Mas o degustador iniciante vence a vergonha, tira o nariz da xícara e o limpa em tom de brincadeira (melhor do que achar que o líquido escorrendo na cara vai passar despercebido). O cheiro -ou o pouco que o vexame permitiu sentir- lembrava serragem. Segue-se para a outra xícara. Dessa vez o nariz acerta o rumo, e o aroma chega às narinas. Parece bom, lembra alguma frutinha, como uma amêndoa.
O segundo passo é tomar um gole, distribuindo o líquido por toda a boca, e engolir. Passa-se à segunda xícara, que recebe igual tratamento. "Qual das duas você repetiria?", pergunta a professora. Pensando em qual seria a resposta certa e sem se lembrar muito bem da vergonhosa primeira xícara, segue a frase, titubeante: "Seria a segunda?". "A segunda é um café robusta, sem qualidade. A primeira é arábica", vem a resposta.
Ainda que a estréia seja catastrófica, o apreciador amador não deve desistir. Depois da enésima xícara, as respostas certas começarão a surgir, e o aluno se pegará exclamando: "Tem uma boa finalização, achocolatada".
Esse é o método ensinado pela cafeóloga Eliana Relvas, 34, a quem quer se iniciar na arte de degustar café. A consultora do Pão de Açúcar e coordenadora do Centro de Preparação de Café do Sindicafé (Sindicato da Indústria de Café do Estado de São Paulo) explica que, ao experimentar dois cafés diferentes ao mesmo tempo, as diferenças entre as duas bebidas se ressaltam, e o degustador percebe mais facilmente as características de cada xícara.
Entre um café e outro, pode-se ou não tomar um gole de água sem gás, à temperatura ambiente. E não é preciso tomar todo o café; basta experimentar. Mas quem quiser repetir alguma xícara pode fazê-lo sem medo, até o último gole: "A ingestão do pó restante no fundo da xícara só deixará a finalização mais intensa", explica Relvas.
Esse não é o procedimento realizado pelos degustadores profissionais, que fazem a chamada prova de xícara. O pó, com moagem grossa, é depositado no fundo de pequenos recipientes e molhado com água quente. Quando ocorre a sedimentação do pó, "quebra-se a xícara", ou seja, quebra-se a crosta que se forma na superfície, usando uma colher. Com esse mesmo instrumento, mexe-se o líquido, dando três voltas. A colher então é cheirada, e o restante da crosta é retirado. O degustador prova a bebida, mas não engole, a cospe, já que pode ter de fazer isso com dezenas de xícaras.

Língua, para que te quero!
Sim, é como se fosse uma ginástica, e a língua precisa estar em forma para a degustação. Com o café na boca, a primeira característica a ser notada é a doçura, sentida logo na ponta da língua. Mas, na verdade, ela vem junto de todas as outras, nos cinco segundos em que o café fica na boca: sabor (marcante, agradável); corpo (sensação de peso no paladar; como um leite integral "pesa" mais que o desnatado); acidez (se o café for mais ácido, a boca saliva quando a bebida é engolida, principalmente na parte lateral; se for adstringente, sente-se certa secura atrás do dente); e amargor (percebido na hora de engolir e que de preferência não deve ser intenso). Por fim, na finalização (sabor que fica na boca após a degustação), o gosto deve ser agradável, "provocando a vontade de repetir", explica a cafeóloga.
No caso do expresso -preferencialmente curto-, observa-se um item a mais: o creme. Ele não deve ser muito claro, e sim ter tons de marrom avermelhado, além de ser espesso (para isso, mergulhe a colher no pó e a levante; se o creme não cair, ele está no ponto certo).
E, se o nariz ficar manchado, o degustador já sabe o que fazer. (JD)


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