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FERNANDO GABEIRA
A distante e próxima nova guerra de Bush
A s coisas vão bem para
George W. Bush. Um presidente qualquer, com resultados
medíocres na economia, talvez
perdesse as eleições parlamentares, como costuma acontecer com
os presidentes ao longo da história norte-americana. O atentado
ao World Trade Center parece ter
colocado a economia num segundo plano, dando aos republicanos
uma margem de manobra que
permitiu inclusive redefinir sua
relação com o mundo.
As alterações na política externa americana vão desde a recusa
em ratificar o Protocolo de Kyoto
até as medidas protecionistas na
economia, o novo enfoque na
questão das armas nucleares e a
rejeição ao Tribunal Penal Internacional, para ficar apenas nos
exemplos mais conhecidos.
Tudo isso pode ser lido nos jornais. Há, no entanto, algo que os
jornais não conseguem captar tão
bem. São as mudanças que devem acontecer na própria sociedade norte-americana, que se
desloca com rapidez para uma visão de fortalecimento da ação
unilateral de seu grande país.
Sou assinante da revista "Tikkun", que conheci há alguns anos
numa banca de Israel. É feita por
judeus norte-americanos de esquerda, cuja posição sobre o conflito no Oriente Médio coincide
com a minha, assim como alguns
outros pontos ligados à cultura da
paz e à renovação do nosso campo de pensamento.
O que consigo captar ainda é
um certo constrangimento dos intelectuais norte-americanos e sinais de uma certa impotência. A
ativista Medea Benjamim conta
num pequeno artigo como foi
uma reunião do Global Exchange
para discutir a possível guerra
contra o Iraque. Ela perguntou:
"Quantos de vocês acham a guerra inevitável?" Todos os presentes
levantaram a mão. Em seguida,
perguntou: "Quantos de vocês
pensam que podem deter essa
guerra?" Todos levantaram a
mão, mas com um sorriso nos lábios. Segundo ela, foi como se todos gritassem: "O povo unido jamais será vencido" e sussurrassem para si mesmos que o povo
nunca está unido e, frequentemente, é vencido.
Numa outra análise, Michel
Lerner examina o impacto da decisão dos democratas de apoiar a
pressa de Bush para a guerra. Foi
uma tentativa fracassada de sobreviver no momento eleitoral. A
oposição poderia ter afirmado
que nada justificava decidir o assunto antes das eleições de novembro. E poderia ir mais longe,
repetindo o argumento de Al Gore de que muitos americanos duvidam que já tenham sido esgotados todos os métodos não- violentos para tratar o problema iraquiano.
Nada disso foi feito. Os democratas, que aceitaram a guerra
para se salvar nas eleições, acabaram naufragando, e o movimento
pacifista norte-americano talvez
tenha dificuldade de ganhar o ritmo do europeu, que já ocupa as
ruas há alguns meses.
Tudo isso parece divagação,
mas tem impacto no Brasil. Nossa
luta contra a inflação, por exemplo, vai depender, em parte, do
preço do petróleo. Nossos anseios
de crescimento dependem, em
parte também, de investimento
externo. Em síntese, nosso futuro
depende, em parte, do rumo dessa
crise mundial.
O governo brasileiro tem mantido uma posição discreta, buscando soluções multilaterais dentro da ONU. Será que o governo
leu aquele relatório de Tony
Blair, bombardeado pela mídia?
Será que consultou alemães e
franceses sobre o desdobramento
da crise mundial, será que esboçou um encontro dos latino-americanos para avaliarem, preliminarmente, o impacto da guerra
num continente sacudido pela
crise econômica, por altos índices
de desemprego e pela inquietação
social?
Entre a decisão de grande parte
dos norte-americanos de apoiar a
guerra contra o Iraque e a perplexidade dos seus intelectuais, há
um espaço possível de trabalho
para que os métodos não-violentos sejam experimentados. Os articulistas do "Tikkun" consideram a guerra ruim para o mundo,
para os Estados Unidos e para os
judeus. E nisso coincidem com os
alemães, que se colocam contra a
guerra argumentando que o
Oriente Médio precisa de um choque de paz e não de novos conflitos armados.
Voltando ao 11 de setembro,
ponto de partida deste estranho
século 21, creio que Michel Lerner
sintetiza bem a crítica de fundo à
opção bélica do povo americano:
"O uso da violência pelas grandes
potências convence os outros de
que esse é o único "caminho realista" para alcançar objetivos políticos, uma lição aprendida por potenciais militantes de organizações terroristas".
Graças a uma certa indiferença
em relação ao mundo, os norte-americanos podem conviver com
a contradição de seus dirigentes,
que partem para uma guerra de
liberação do Iraque e apóiam a
campanha de Vladimir Putin na
Tchetchênia e a ofensiva de Ariel
Sharon em território palestino.
As eleições americanas e as brasileiras revelam que nada é definitivo na luta entre o medo e a esperança. A destruição das torres do
World Trade Center jogou a esperança no nível zero, pelo menos
por alguns anos. Em 2004, com as
eleições presidenciais, veremos se
alguma coisa mudou.
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