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nos mesmos trilhos
Trem leva ao interior em viagem retrô
CPTM: Expresso conduzirá turistas da estação da Luz, em São Paulo, a Jundiaí
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma voz de mulher sensual
martela nas caixas de som da
estação Júlio Prestes da CPTM,
na Luz, centro de São Paulo:
"Atenção: trem com destino a
Rio Grande da Serra, favor, plataforma número dois". Mas o
suspense é logo descortinado
-andaram trocando as linhas
de trilho, então se sabe, para
que o protagonista do dia pudesse fazer sua viagem-teste.
São dez da manhã de uma
sexta-feira de sol e os vendedores ambulantes descem dos
trens com buquês de vassouras
coloridas que arqueiam suas
costas e atrapalham o caminho
de quem delas se esgueira, à espera da próxima composição.
Mas no lugar do trem da linha
7-Rubi (da Luz a Jundiaí), o que
eles encontram é uma locomotiva branca, vermelha e azul, tinindo de tão pintada, com uma
chaminé que já anuncia a saída.
E ela puxa dois vagões de aço
inoxidável dados pela Associação Brasileira de Preservação
Ferroviária, com 170 lugares
-a maioria repleta de funcionários. Espera-se que sejam turistas em 2009, quando o expresso turístico sairá da Luz
para ir a Jundiaí e à vila de Paranapiacaba, em Santo André.
Ele parte às 10h19, quase fugindo do outro trem que chega,
esse comum, com passageiros
de pé prensados contra as janelas, enquanto pianos e violinos,
trombones e pratos épicos começam a ecoar (na caixa de
som). "Caros convidados, bem
vindos ao expresso turístico",
diz a voz, masculina, do guia. E
a viagem começa, sem pressa.
Por que alguém deixaria a capital para se embrenhar no interior é algo que o maquinista
Ivo dos Santos Júnior tem na
ponta da língua. "É incrível sair
de São Paulo e ver vaca, pasto, a
diferença no ar", diz Santos, o
rosto coberto pela sombra que
a fumaça da chaminé faz contra
o sol; a mão direita segura a manivela que acelera o trem -mas
não muito; apesar de "expresso", o trem anda a 40 km/h.
Rumo a Jundiaí
O olhar cruza o vidro e vê trilhos que se entrelaçam numa
dança estranha, entre pedregulhos manchados de óleo, a caminho da estação Barra Funda.
A paisagem ganha ares de pós-guerra, com trens abandonados, pichados, enferrujando em
terrenos baldios da Lapa.
O violino traz de volta a atenção para dentro, onde o guia dá
uma ou outra pincelada na história das estações (a expectativa é que, quando o passeio for
oficial, as dicas sejam mais organizadas). Os assentos estofados de couro marrom massageiam as costas, alguns tons
acima do amarelo-creme do esmalte que cobre as paredes entre as janelas ovaladas, que
lembram veículos dos anos 50.
Por momentos, de tão lento,
o trem quase pára. O som calmo, soporífero, matiza a paisagem de Pirituba com um verniz
estético: são casas de tijolos à
vista de até quatro andares,
aglomeradas à beira dos trilhos,
e puxadinhos de madeira com
canos escorrendo -em cada
um, pessoas com olhar curioso
e celulares prontos para a foto
do dia em que um trem diferente do que a gente pega passou.
Em Jaraguá, limite oeste de
São Paulo, vacas surgem ao lado de cavalos que pastam sossegados em pequenos sítios e
mesmo em nacos de terra com
pés de milho e um barraco de
telhas. São ilhas habitadas em
meio a áreas de florestas de pinhos e pequenos vales verdes.
O ar é puro -não fosse a fumaça negra da locomotiva, que se
desprende a cada silvo do trem.
São Paulo está para trás. Mais
verde e mais pólos urbanos,
com diversos forrós e igrejas
evangélicas, vão se seguindo.
Uma senhora ajeita os óculos
para ver o trem, enquanto caminha pelos trilhos com um saco nas costas. É Várzea Paulista. E a buzina do trem ecoa sem
trégua, denunciando a chegada
à estação final da linha e do
tour: Jundiaí, 1h20min depois.
De cócoras
Enquanto os violões choravam toadas caipiras, as "princesas da ExpoUva", com longos
vestidos bordôs, caminhavam
pela estação. O evento serviu
para recepcionar o novo expresso, que, acreditam, vai impulsionar o turismo na região,
que tem o "circuito das frutas"
(agências locais levam o turista
a percorrer fazendas e comer
frutas no pé); o museu da antiga
Cia. Paulista, com seu acervo
ferroviário; e a Serra do Japi.
Por isso a fartura de uvas,
goiabas e figos ornando mesas
de toalha branca, em contraste
com as madeiras velhas, paredes de tijolos rachadas e postes
enferrujados da estação inaugurada em 1867. Vê-se que aqui
é, literalmente, o fim da linha.
Antes da volta, uma parada
no banheiro surpreende. O toalete feminino (aqui, "sala de senhora") traz bancos antigos de
madeira para acompanhantes,
sob a placa: "É proibida a permanência de homens nesse recinto". Ao lado, no masculino,
não há vasos sanitários, mas
buracos de metal branco com
apoio para os pés. Um homem
abre a porta, com o barulho da
descarga atrás, e olha tranqüilo,
sem achar nada demais fazer
suas necessidades de cócoras.
E assim, ao som caipira da
Orquestra de Valinhos, o trem
se prepara para partir, com o
funcionário (de libré cinza engomada) passando de banco em
banco e virando os encostos.
"Afinal, vocês não querem voltar de costas", ironiza. "Mas e a
locomotiva?", pergunta um
passageiro. Suspense. E ela passa ao lado, indo se encaixar na
nova frente do trem, com um
solavanco. Ele silva e anda.
A volta não traz novidades.
Mais música clássica a 40 km/
h, mais mato virgem, vaquinhas
e barracos de um laranja vivo,
agora com mais curiosos fotografando e acenando, felizes.
De volta à Barra Funda, onde
o trem pára para descarregar os
convidados, uma massa de pessoas aguarda na estação, às 15h.
Um dos convidados do expresso cutuca o outro e comenta,
rindo: "Quanta gente, deve ter
sido nosso trenzinho que atrasou o deles". A CPTM diz que
não houve atrasos.
O passeio deve ser aberto ao
público no começo de 2009, segundo a CPTM, provavelmente
nos fins-de-semana -forma de
agradar gregos e troianos e garantir que o turismo de uns não
prejudique a rotina de outros.
Informações: 0800-0550121.
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