São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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Engenheiro e funcionário público, Euclides morreu assassinado pelo amante da mulher em 1909

Vida do escritor intriga tanto quanto obra

DA ENVIADA A SÃO JOSÉ DO RIO PARDO

O cidadão Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha intriga tanto quanto sua obra. Nasceu em 20 de janeiro de 1866 no arraial de Santa Rita do Rio Negro, atual Euclidelândia, em Cantagalo (RJ), ficou órfão aos três anos, quando a mãe morreu de tuberculose, e foi criado pela tia Rosinda.
Autodidata, foi expulso da escola militar em 1888 por jogar sua espada de cadete aos pés do ministro da Guerra do Império. O médico da escola chegou a classificá-lo de "doente dos nervos". Mais tarde, com a República, foi readmitido no Exército.
Segundo o diretor da Casa de Cultura Euclides da Cunha, Álvaro Ribeiro de Oliveira Netto, enquanto o escritor viveu na cidade, acordava às 6h, ia para o trabalho e voltava ao entardecer. Tinha úlcera e fumava bastante. "Ele costumava dizer: "Leio, como e fumo por vício"." Tais informações Netto obteve de seu tio, Oswaldo Galotti, idealizador das comemorações euclidianas, morto em 2001.
Foi na casa do amigo Sólon Ribeiro que Euclides conheceu Anna, na época com 15 anos, nove anos mais jovem que ele. Nesse dia, ele lhe teria entregado um bilhete, segundo Joel Bicalho Tostes, 77, viúvo da neta do escritor que há 50 anos estuda a vida e a obra euclidiana, dizendo: "Entrei nesta casa com a imagem da República e saio daqui com a imagem dessa moça". Casaram-se e tiveram cinco filhos.
Euclides da Cunha começou a trabalhar como engenheiro no Departamento de Obras Públicas quando morava em São Paulo.
Quando o movimento de Canudos irrompeu, já escrevia para "O Estado de S.Paulo". Como republicano, expressou o perigo que via em tal foco de resistência ao novo regime no artigo "A Nossa Vendéia", em referência à luta dos republicanos franceses contra um reduto de monarquistas da região de Vendéia.
Depois que foi enviado como correspondente a Canudos (BA), começou a atacar a República, fazendo sua maior crítica com "Os Sertões". Ele pagou à editora Livraria Laemmert mais de um salário mensal de engenheiro para publicar o livro. Estima-se que a primeira tiragem, lançada em 2 de dezembro de 1902, tenha sido de 2.000 exemplares, esgotados em poucas semanas. Segundo o sociólogo Rodolpho Del Guerra, estudioso da obra euclidiana, o escritor teria encontrado ao menos 80 erros na primeira edição. "Euclides corrigiu vários exemplares, um a um, com tinta nanquim da cor da impressão."
A obra lhe rendeu uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras, mas o emprego público em São Paulo foi cortado por falta de verba. Então participou de uma comissão no Alto Purus para fixar os limites territoriais entre o Brasil e o Peru.
Na volta, com sintomas de tuberculose, suspeitou que Anna o traía com o aspirante do Exército Dilermando de Assis, bem mais novo que ele. Mas não quis se separar, contrariando a mulher.
No livro "Anna de Assis, História de um Trágico Amor", escrito por Judite Ribeiro de Assis, uma dos oito filhos que Anna teve com Dilermando, a autora diz que Euclides matou seu quarto filho com Anna, Mauro, por inanição. Segundo Judite, que escreveu o livro com base em cartas e declarações da mãe, Euclides deixou Anna trancada no quarto vários dias, impedindo-a de amamentar o recém-nascido, e teria enterrado o bebê no quintal. Os Cunha estão processando Judite por calúnia e difamação.
No dia 15 de agosto de 1909, Euclides invadiu a casa de Dilermando armado, dizendo que estava lá para matar ou morrer. Disparou cinco tiros, errando todos. Conforme o livro "Um Conselho de Guerra", Dilermando teria dito para Euclides fugir. O conselho não foi atendido e o jovem matou o escritor. Cinco anos depois, seu filho Euclides, o Quindinho, foi morto por Dilermando, quando este quis vingar a morte do pai. Mais tarde, Dilermando abandonou Anna. Ambos morreram em 1951.
Os estudiosos comparam o fim de Euclides com o de Antônio Conselheiro. Ambos foram construtores itinerantes, um de igrejas e cemitérios, o outro de pontes e estradas; foram traídos pelas mulheres e tiveram suas vidas marcadas pela luta sangrenta de suas famílias e pelas posições que assumiram frente à República.
Segundo um dos maiores estudiosos da obra de Euclides, Roberto Ventura, morto em agosto deste ano, "ao agir como os heróis antigos ou como os valentões sertanejos, a vida de Euclides se tornou uma ficção trágica". (MD)


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