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BOM DIA, TURISMO
Corre spon dente de guerr a lemb ra de mom entos bons
Para José Hamilton Ribeiro, o Vietnã perdeu sua grande oportunidade de ser um modelo para o mundo
PRISCILA PASTRE-ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL
O jornalista brasileiro José
Hamilton Ribeiro, 73, conheceu o Vietnã 41 anos atrás. Enviado pela revista "Realidade"
em 1968 como correspondente
de guerra, passou 35 dias acompanhando as operações do lado
norte-americano -apenas os
jornalistas ligados ao Partido
Comunista podiam acompanhar o lado vietcongue.
Era 20 de março, dia marcado para ser seu último na guerra, quando o repórter seguiu
para uma região a cerca de 20
km de Quang Tri. Depois de
uma explosão, José Hamilton
correu para fotografar os feridos e pisou numa mina. Ela foi
detonada e ele perdeu a parte
inferior da perna esquerda.
Depois de 15 dias hospitalizado e 11 cirurgias, começou a escrever a reportagem que marcaria a história do jornalismo
brasileiro, relatando o acidente
e os dias que ficou internado.
Ao caderno de Turismo, José Hamilton, que voltou ao
Vietnã 27 anos depois do acidente, fala sobre a transformação do país e os lugares que o
marcaram e diz que, se voltasse
no tempo, não tem dúvidas de
que aceitaria cobrir a guerra.
FOLHA - Além do cenário de guerra, que imagem o senhor fazia do
Vietnã quando foi enviado como
correspondente pela revista?
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO - A da biodiversidade. Aquela região do
sudeste da Ásia é origem de um
grande número de animais domésticos e de plantas. Vêm de
lá o arroz, o búfalo, a galinha...
Essa é a biodiversidade histórica. E tem a atual. O Vietnã ainda tem elefante nativo, ainda
tem urso... A natureza lembra
um pouco a do sul da Bahia e a
de alguns pontos da Amazônia.
Ah, eu também sabia que a mulher vietnamita tinha fama de
ser muito bonita. E é mesmo.
Bonita e elegante. Não entendo
de moda, mas tem uma roupa
típica que elas usam, que é uma
calça molinha, mas justa, que as
deixa muito sensuais.
FOLHA - Fez amigos por lá?
JOSÉ HAMILTON - Fiz, sim. Eu me
lembro de um vietnamita que
me aproximou de um grupo de
escritores, de intelectuais, e
eles fizeram um jantar típico
para mim. Uma refeição vietnamita é um negócio inesquecível, uma síntese das culinárias
chinesa e francesa. O interessante é que você passa horas e
horas comendo, porque a sucessão dos pratos, que vêm em
pequenas porções, parece que
não vai acabar nunca! [risos].
Passamos umas três horas conversando e comendo. Comendo
e conversando... Quando você
pensava que tinha acabado, começava tudo de novo.
FOLHA - O senhor voltou a vê-los?
JOSÉ HAMILTON - Quando voltei
ao Vietnã, em 1995, procurei
ansiosamente por essa turma.
Cheguei a colocar anúncio na
televisão estatal, com fotografia e a informação do hotel em
que eu estava. Mas ninguém
apareceu. Disseram que há três
hipóteses para eles não terem
ido: a primeira é de que foram
exilados por causa da ditadura
comunista; a segunda é a de que
foram mortos; e a terceira é a de
que chegaram perto do hotel,
olharam de longe e foram embora, com medo de que fosse
uma armadilha da polícia. Como a polícia controla tudo, as
pessoas ficam com medo.
FOLHA - Na segunda vez que o senhor foi ao país, voltou aos lugares
que conheceu em 68?
JOSÉ HAMILTON - Voltei. Passei
em Saigon, que agora se chama
Ho Chi Minh, em Quang Tri, a
cidadezinha perto da base militar onde eu estava credenciado
durante a cobertura da guerra,
em Da Nang e em Hanói.
FOLHA - Que lugares não podem ficar de fora de uma visita ao Vietnã?
JOSÉ HAMILTON - Hue é uma coisa linda, uma cidade imperial.
Tem palácios, construções de
época. O litoral não me marcou
porque lembro dele todo tomado pela guerra. Fiquei com essa
visão, não consegui abstrair.
FOLHA - Gostaria de voltar?
JOSÉ HAMILTON - Sim, mas só para passear. Na segunda vez que
fui ao Vietnã, era novamente a
trabalho, para um especial que
a Rede Globo estava fazendo
sobre acontecimentos importantes dos últimos 30 anos.
Quando o assunto foi guerra,
acharam que a mais significativa havia sido a do Vietnã. Então
me mandaram com a missão de
ver em que tinha se tornado o
país que fez uma guerra historicamente tão importante.
FOLHA - E em que o país tinha se
tornado?
JOSÉ HAMILTON - Voltar lá doeu
mais. Na primeira vez havia
muita dor, muito sofrimento,
mas com um idealismo no ar. A
esperança de que o país aproveitasse a paz tanto quanto havia aproveitado a guerra, que
foi heroica. Era possível aproveitar toda aquela energia para
construir um país maravilhoso.
Mas aí cheguei lá em 1995 e vi
uma ditadura comunista, um
estado policial e muita pobreza.
Começou a melhorar a partir
da década de 90, mas em função do capital internacional.
Mesmo que melhore, como está melhorando, não vai ser um
modelo novo para o mundo como poderia ter sido. É um país
com ditadura e capital internacional tomando conta de tudo.
FOLHA - Como era o dia-a-dia da
cobertura da Guerra do Vietnã?
JOSÉ HAMILTON - Foi tudo muito
organizado. Como eu estava cobrindo a guerra do lado americano, tinha credencial, tinha
carteirinha para isso, para
aquilo. E a possibilidade de pegar aviões sem problemas. Isso
porque foi guerra de país organizado, de país rico, né? A cobertura do lado do Vietnã comunista praticamente não
existia porque eles só aceitavam como jornalistas o camarada comprometido com o partido. Os correspondentes internacionais não foram aceitos.
Bom, uma vez credenciado junto ao Exército americano, a rotina era assim: eles nos diziam
no fim da tarde onde seriam as
próximas operações militares.
Davam uma lista dessas operações, das patrulhas que iam ser
feitas no dia seguinte. E perguntavam em qual delas a gente
queria ir. Todos nós sabíamos
perfeitamente da existência de
outras patrulhas. Operações
que, para eles, não era interessante que os jornalistas vissem.
Mas, ao mesmo tempo, eles não
tinham controle do que ocorreria em todas as patrulhas que a
gente acompanhava. E, naquelas em que a gente ia, registrava
tudo o que a câmera visse, tudo
que ela pudesse alcançar.
FOLHA - O senhor conta no relato
que escreveu à "Realidade" que, a
caminho do Vietnã, uma recepcionista da Air France foi perguntar se o
senhor não tinha medo. Tinha?
JOSÉ HAMILTON - A gente não
pensa muito no medo numa situação dessa. Tanto é que, se
voltasse no tempo, eu aceitaria
de novo cobrir a Guerra do
Vietnã. Costumo dizer que quatro coisas levam um repórter a
encarar uma situação de risco:
a vaidade, o espírito de aventura, a ambição profissional e
uma pitada de falta de juízo. O
repórter tem uma sensação,
mesmo que falsa, de que tem
uma missão. E que é importante ser testemunha da história,
assim como denunciar abusos,
preconceitos, crueldades. É um
trabalho. E uma vocação.
FOLHA - Como o senhor está vendo
o tratamento da imprensa ao conflito na faixa de Gaza?
JOSÉ HAMILTON - O pessoal é esforçado e tem feito um bom trabalho. A cobertura está ampla e
ponderada. O mais importante
é que esse trabalho seja transparente. É o que se espera e é a
melhor forma de mostrar respeito ao leitor. Ele espera uma
história, espera saber não só o
que o jornalista conseguiu, mas
também o que ele não conseguiu e por quê. Quem e o que o
impediram de apurar a notícia.
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