São Paulo, quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

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BOM DIA, TURISMO

Corre spon dente de guerr a lemb ra de mom entos bons

Para José Hamilton Ribeiro, o Vietnã perdeu sua grande oportunidade de ser um modelo para o mundo

PRISCILA PASTRE-ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista brasileiro José Hamilton Ribeiro, 73, conheceu o Vietnã 41 anos atrás. Enviado pela revista "Realidade" em 1968 como correspondente de guerra, passou 35 dias acompanhando as operações do lado norte-americano -apenas os jornalistas ligados ao Partido Comunista podiam acompanhar o lado vietcongue.
Era 20 de março, dia marcado para ser seu último na guerra, quando o repórter seguiu para uma região a cerca de 20 km de Quang Tri. Depois de uma explosão, José Hamilton correu para fotografar os feridos e pisou numa mina. Ela foi detonada e ele perdeu a parte inferior da perna esquerda.
Depois de 15 dias hospitalizado e 11 cirurgias, começou a escrever a reportagem que marcaria a história do jornalismo brasileiro, relatando o acidente e os dias que ficou internado.
Ao caderno de Turismo, José Hamilton, que voltou ao Vietnã 27 anos depois do acidente, fala sobre a transformação do país e os lugares que o marcaram e diz que, se voltasse no tempo, não tem dúvidas de que aceitaria cobrir a guerra.

 

FOLHA - Além do cenário de guerra, que imagem o senhor fazia do Vietnã quando foi enviado como correspondente pela revista?
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
- A da biodiversidade. Aquela região do sudeste da Ásia é origem de um grande número de animais domésticos e de plantas. Vêm de lá o arroz, o búfalo, a galinha...
Essa é a biodiversidade histórica. E tem a atual. O Vietnã ainda tem elefante nativo, ainda tem urso... A natureza lembra um pouco a do sul da Bahia e a de alguns pontos da Amazônia.
Ah, eu também sabia que a mulher vietnamita tinha fama de ser muito bonita. E é mesmo.
Bonita e elegante. Não entendo de moda, mas tem uma roupa típica que elas usam, que é uma calça molinha, mas justa, que as deixa muito sensuais.

FOLHA - Fez amigos por lá?
JOSÉ HAMILTON
- Fiz, sim. Eu me lembro de um vietnamita que me aproximou de um grupo de escritores, de intelectuais, e eles fizeram um jantar típico para mim. Uma refeição vietnamita é um negócio inesquecível, uma síntese das culinárias chinesa e francesa. O interessante é que você passa horas e horas comendo, porque a sucessão dos pratos, que vêm em pequenas porções, parece que não vai acabar nunca! [risos].
Passamos umas três horas conversando e comendo. Comendo e conversando... Quando você pensava que tinha acabado, começava tudo de novo.

FOLHA - O senhor voltou a vê-los?
JOSÉ HAMILTON
- Quando voltei ao Vietnã, em 1995, procurei ansiosamente por essa turma. Cheguei a colocar anúncio na televisão estatal, com fotografia e a informação do hotel em que eu estava. Mas ninguém apareceu. Disseram que há três hipóteses para eles não terem ido: a primeira é de que foram exilados por causa da ditadura comunista; a segunda é a de que foram mortos; e a terceira é a de que chegaram perto do hotel, olharam de longe e foram embora, com medo de que fosse uma armadilha da polícia. Como a polícia controla tudo, as pessoas ficam com medo.

FOLHA - Na segunda vez que o senhor foi ao país, voltou aos lugares que conheceu em 68?
JOSÉ HAMILTON
- Voltei. Passei em Saigon, que agora se chama Ho Chi Minh, em Quang Tri, a cidadezinha perto da base militar onde eu estava credenciado durante a cobertura da guerra, em Da Nang e em Hanói.

FOLHA - Que lugares não podem ficar de fora de uma visita ao Vietnã?
JOSÉ HAMILTON
- Hue é uma coisa linda, uma cidade imperial. Tem palácios, construções de época. O litoral não me marcou porque lembro dele todo tomado pela guerra. Fiquei com essa visão, não consegui abstrair.

FOLHA - Gostaria de voltar?
JOSÉ HAMILTON
- Sim, mas só para passear. Na segunda vez que fui ao Vietnã, era novamente a trabalho, para um especial que a Rede Globo estava fazendo sobre acontecimentos importantes dos últimos 30 anos.
Quando o assunto foi guerra, acharam que a mais significativa havia sido a do Vietnã. Então me mandaram com a missão de ver em que tinha se tornado o país que fez uma guerra historicamente tão importante.

FOLHA - E em que o país tinha se tornado?
JOSÉ HAMILTON
- Voltar lá doeu mais. Na primeira vez havia muita dor, muito sofrimento, mas com um idealismo no ar. A esperança de que o país aproveitasse a paz tanto quanto havia aproveitado a guerra, que foi heroica. Era possível aproveitar toda aquela energia para construir um país maravilhoso.
Mas aí cheguei lá em 1995 e vi uma ditadura comunista, um estado policial e muita pobreza.
Começou a melhorar a partir da década de 90, mas em função do capital internacional.
Mesmo que melhore, como está melhorando, não vai ser um modelo novo para o mundo como poderia ter sido. É um país com ditadura e capital internacional tomando conta de tudo.

FOLHA - Como era o dia-a-dia da cobertura da Guerra do Vietnã?
JOSÉ HAMILTON
- Foi tudo muito organizado. Como eu estava cobrindo a guerra do lado americano, tinha credencial, tinha carteirinha para isso, para aquilo. E a possibilidade de pegar aviões sem problemas. Isso porque foi guerra de país organizado, de país rico, né? A cobertura do lado do Vietnã comunista praticamente não existia porque eles só aceitavam como jornalistas o camarada comprometido com o partido. Os correspondentes internacionais não foram aceitos.
Bom, uma vez credenciado junto ao Exército americano, a rotina era assim: eles nos diziam no fim da tarde onde seriam as próximas operações militares.
Davam uma lista dessas operações, das patrulhas que iam ser feitas no dia seguinte. E perguntavam em qual delas a gente queria ir. Todos nós sabíamos perfeitamente da existência de outras patrulhas. Operações que, para eles, não era interessante que os jornalistas vissem. Mas, ao mesmo tempo, eles não tinham controle do que ocorreria em todas as patrulhas que a gente acompanhava. E, naquelas em que a gente ia, registrava tudo o que a câmera visse, tudo que ela pudesse alcançar.

FOLHA - O senhor conta no relato que escreveu à "Realidade" que, a caminho do Vietnã, uma recepcionista da Air France foi perguntar se o senhor não tinha medo. Tinha?
JOSÉ HAMILTON
- A gente não pensa muito no medo numa situação dessa. Tanto é que, se voltasse no tempo, eu aceitaria de novo cobrir a Guerra do Vietnã. Costumo dizer que quatro coisas levam um repórter a encarar uma situação de risco:
a vaidade, o espírito de aventura, a ambição profissional e uma pitada de falta de juízo. O repórter tem uma sensação, mesmo que falsa, de que tem uma missão. E que é importante ser testemunha da história, assim como denunciar abusos, preconceitos, crueldades. É um trabalho. E uma vocação.

FOLHA - Como o senhor está vendo o tratamento da imprensa ao conflito na faixa de Gaza?
JOSÉ HAMILTON
- O pessoal é esforçado e tem feito um bom trabalho. A cobertura está ampla e ponderada. O mais importante é que esse trabalho seja transparente. É o que se espera e é a melhor forma de mostrar respeito ao leitor. Ele espera uma história, espera saber não só o que o jornalista conseguiu, mas também o que ele não conseguiu e por quê. Quem e o que o impediram de apurar a notícia.


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