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FERNANDO GABEIRA
O novo olhar inglês sobre a maconha
Os ingleses deram um novo passo em sua política de
drogas, rebaixando o nível de perigo na classificação da maconha,
descriminalizando o seu uso e
tornando a posse de pequenas
quantidades uma infração.
Os conservadores caíram em cima. O "Daily Telegraph" classificou a decisão como idiota, o "The
Times" afirmou que era uma hipocrisia, e só os jornais de centro,
como o "The Guardian" e o "Independent", mostraram simpatia
pela nova classificação, que iguala a maconha a antidepressivos
ou hormônios para o crescimento.
O ex-principal assessor de Tony
Blair para a política de drogas,
Keith Hellawell, afirmou que a
medida revela que a Inglaterra
está se aproximando da legalização das drogas mais rapidamente
do que qualquer outro país.
Alguns jornais brasileiros esconderam a notícia. É compreensível, porque acham que certas
más notícias não devem circular
por aqui porque o Brasil "ainda
não está preparado". Na televisão, um comentarista, após divulgar a notícia, reafirmou que a
maconha era uma droga perigosa, dando a entender que essa era
a mensagem que o governo inglês
queria passar.
Ele poderia ter criticado ou concordado. Muitos caminhos estavam abertos. Mas concluir que o
discurso de David Blunkett, o ministro do Interior, era um libelo
contra a maconha pareceu-me
uma certa incapacidade de articular opinião com fatos. Sobretudo quando os fatos entram em
choque com a opinião.
Na verdade, o que aparece como um relâmpago em céu azul já
estava sendo preparado em Lambeth, no sul de Londres, distrito
onde está Brixton.
A polícia recomendou ao governo uma nova política. Não podia
perder tempo com maconheiros.
Cada baseado custava quatro horas de trabalho para um flagrante
e todos os outros procedimentos
legais. A criminalidade no bairro
caiu em 10%, e aumentou um
pouco a eficácia no combate ao
tráfico de outras drogas.
O mais importante é que, nas
pesquisas realizadas entre os moradores de Brixton, onde há um
grande contingente de estrangeiros, 83% consideraram a nova
política um sucesso, porque, entre
outras coisas, aumentou a flexibilidade da polícia ao tratar os incidentes de rua.
O novo passo na política inglesa
de drogas ainda não chegou ao
ponto. Continua havendo repressão contra o comércio, e as penas
para os traficantes aumentaram.
Isso significa que a Inglaterra,
apesar de todos os protestos conservadores, ainda não chegou ao
nível da Holanda.
Mas pode-se afirmar que a tendência européia é de tolerância.
Quadro publicado pelo "Libération" apresenta essa situação:
-Países Baixos: consumo não incriminado, posse dando pena de
até três meses;
-Irlanda: consumo não incriminado, posse, pena de três anos;
-Bélgica: consumo incriminado,
pena de três a cinco anos;
-Reino Unido: consumo não incriminado, posse, apreensão;
-Portugal: consumo não incriminado, posse, sanção administrativa;
-Espanha; consumo e posse,
sanção administrativa;
-Suécia: consumo e posse, pena
de até seis meses;
-Dinamarca: consumo não incriminado, posse similar ao tráfico;
-França: consumo, pena de um
ano, posse assimilada ao tráfico;
-Itália: consumo não incriminado, posse, sanção administrativa;
-Finlândia: consumo, pena de
dois anos, posse similar ao tráfico;
-Luxemburgo: consumo, pena
de três meses a cinco anos, posse,
pena de três meses a três anos;
-Alemanha: consumo não incriminado, posse, pena de até seis
meses;
-Áustria: consumo não incriminado, posse, pena de até seis meses;
-Grécia: consumo, pena de dez
dias a 15 anos, posse, pena de dez
dias a cinco anos.
Como se vê, é um processo lento
e diferenciado, mas ainda cheio
de contradições. Se a Europa quiser se unificar também nesse ponto, a julgar pelos países que mudaram a lei recentemente, a tendência caminha para uma política de tolerância.
Resta saber até que ponto a guinada para a direita pode alterar o
quadro daqui para a frente, ou se
a própria direita, diante do desgaste da visão repressiva, aceitará
também os novos caminhos.
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