São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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FERNANDO GABEIRA

O novo olhar inglês sobre a maconha

Os ingleses deram um novo passo em sua política de drogas, rebaixando o nível de perigo na classificação da maconha, descriminalizando o seu uso e tornando a posse de pequenas quantidades uma infração.
Os conservadores caíram em cima. O "Daily Telegraph" classificou a decisão como idiota, o "The Times" afirmou que era uma hipocrisia, e só os jornais de centro, como o "The Guardian" e o "Independent", mostraram simpatia pela nova classificação, que iguala a maconha a antidepressivos ou hormônios para o crescimento.
O ex-principal assessor de Tony Blair para a política de drogas, Keith Hellawell, afirmou que a medida revela que a Inglaterra está se aproximando da legalização das drogas mais rapidamente do que qualquer outro país.
Alguns jornais brasileiros esconderam a notícia. É compreensível, porque acham que certas más notícias não devem circular por aqui porque o Brasil "ainda não está preparado". Na televisão, um comentarista, após divulgar a notícia, reafirmou que a maconha era uma droga perigosa, dando a entender que essa era a mensagem que o governo inglês queria passar.
Ele poderia ter criticado ou concordado. Muitos caminhos estavam abertos. Mas concluir que o discurso de David Blunkett, o ministro do Interior, era um libelo contra a maconha pareceu-me uma certa incapacidade de articular opinião com fatos. Sobretudo quando os fatos entram em choque com a opinião.
Na verdade, o que aparece como um relâmpago em céu azul já estava sendo preparado em Lambeth, no sul de Londres, distrito onde está Brixton.
A polícia recomendou ao governo uma nova política. Não podia perder tempo com maconheiros. Cada baseado custava quatro horas de trabalho para um flagrante e todos os outros procedimentos legais. A criminalidade no bairro caiu em 10%, e aumentou um pouco a eficácia no combate ao tráfico de outras drogas.
O mais importante é que, nas pesquisas realizadas entre os moradores de Brixton, onde há um grande contingente de estrangeiros, 83% consideraram a nova política um sucesso, porque, entre outras coisas, aumentou a flexibilidade da polícia ao tratar os incidentes de rua.
O novo passo na política inglesa de drogas ainda não chegou ao ponto. Continua havendo repressão contra o comércio, e as penas para os traficantes aumentaram. Isso significa que a Inglaterra, apesar de todos os protestos conservadores, ainda não chegou ao nível da Holanda.
Mas pode-se afirmar que a tendência européia é de tolerância. Quadro publicado pelo "Libération" apresenta essa situação: -Países Baixos: consumo não incriminado, posse dando pena de até três meses;
-Irlanda: consumo não incriminado, posse, pena de três anos;
-Bélgica: consumo incriminado, pena de três a cinco anos;
-Reino Unido: consumo não incriminado, posse, apreensão;
-Portugal: consumo não incriminado, posse, sanção administrativa;
-Espanha; consumo e posse, sanção administrativa;
-Suécia: consumo e posse, pena de até seis meses;
-Dinamarca: consumo não incriminado, posse similar ao tráfico;
-França: consumo, pena de um ano, posse assimilada ao tráfico;
-Itália: consumo não incriminado, posse, sanção administrativa;
-Finlândia: consumo, pena de dois anos, posse similar ao tráfico;
-Luxemburgo: consumo, pena de três meses a cinco anos, posse, pena de três meses a três anos;
-Alemanha: consumo não incriminado, posse, pena de até seis meses;
-Áustria: consumo não incriminado, posse, pena de até seis meses;
-Grécia: consumo, pena de dez dias a 15 anos, posse, pena de dez dias a cinco anos.
Como se vê, é um processo lento e diferenciado, mas ainda cheio de contradições. Se a Europa quiser se unificar também nesse ponto, a julgar pelos países que mudaram a lei recentemente, a tendência caminha para uma política de tolerância.
Resta saber até que ponto a guinada para a direita pode alterar o quadro daqui para a frente, ou se a própria direita, diante do desgaste da visão repressiva, aceitará também os novos caminhos.



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