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ATLÂNTICO SUL
De segunda a sexta, moradores se reúnem em bar para fazer negócios, além de beber cerveja, jogar e dançar
Atividade em pubs anima a rotina kelper
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NAS MALVINAS
Quem acha que em Port Stanley
a vida é muito diferente da do resto do mundo, por ser lá justamente quase o fim do mundo, pode se
surpreender com a semelhança
da vida deles com a de qualquer
morador do interior do Brasil.
Talvez a diferença seja que lá a
taxa de desemprego é mínima, e
um marceneiro ou pedreiro pode
ter um salário parecido com o de
um profissional com diploma
universitário.
Os habitantes de Port Stanley
trabalham das 8h às 16h30, e é
bom lembrar que sua pontualidade é britânica. Não tem essa de
quebrar o galho e receber o cliente
na loja às 16h35 só porque o dono
está lá dentro, tomando aquele
chá das cinco de praxe. O lugar
mais agitado e concorrido após
essa hora é o pub.
Há pelos menos cinco na cidade. Bom número, levando em
conta que o centro de Port Stanley
não tem mais de seis quarteirões
de extensão por quatro de largura. Para não cair na monotonia, os
pubs organizam atividades diferentes para cada dia da semana,
com um único fim: que os paroquianos bebam sua cervejinha e
se divirtam entre um gole e outro.
Nas segundas, há competição
de dardos; às terças, é noite de
música e danças latinas (o Globe
Tavern é o mais concorrido nesse
quesito); na quarta, são os campeonatos de sinuca; nas quintas,
se brinca de "quiz", em que grupos de amigos competem em conhecimentos gerais; as sextas-feiras são simplesmente para ir beber e comentar o que aconteceu
na semana. Aos sábados e domingos, todo mundo vai para algum
lugar: ou visita parentes e amigos
ou se reúne no quintal da casa ou
tem seu dia de campo, para comer
um churrasquinho de cordeiro e,
claro, continuar bebendo cerveja.
Ao chegar a noite, o destino costuma ser o pub de novo. Todo e
qualquer assunto social ou de negócios é tratado em um pub ou
restaurante, dificilmente no escritório. Segundo uma habitante da
cidade, por aqui tudo é motivo
para beber cerveja.
Só há um canal de televisão
aberta, que é militar, o BFBS (British Forces Broadcast Service), e
os habitantes são unânimes ao dizer que ele é danado de ruim. Passam três novelas ao dia, e o resto é
um "acoxambro" de programas
pré-gravados no Reino Unido.
Mas há Direct TV. Seu proprietário é um chileno que descobriu o
ouro via satélite. São 48 canais recentemente postos ao ar.
Comida típica? Pouca. O cardápio costuma ser o mesmo que o
de qualquer súdito da rainha Elizabeth, mas com mais cordeiro e
muita batata, com curry e chutney
à vontade. A culinária chilena tem
hoje dado pitacos e influenciado a
mesa do kelper. Servem-se empanadas, carne de vaca e frutas, além
dos legumes e vegetais, que, em
geral, vêm do Chile. Chefs desse
país chegaram a trabalhar em hotéis e restaurantes da cidade, o
que fez aumentar a variedade e o
sabor dos pratos antes pouco
agraciados da gastronomia local.
Há três restaurantes dignos de
recomendação: Malvinas House,
Falkland Brasserie e o do hotel
Upland Goose, o mais antigo da
cidade e que, segundo dizem,
abriga fantasmas.
O crescimento do turismo fez
que as famílias abrissem suas casas para receber essas libras que
estão dando sopa hoje em dia. Há
duas que merecem destaque: Scotia House e Waterfront. Os custos
vão de 15 libras (R$ 60) a 40 libras
(R$ 159) por dia, dependendo da
temporada.
Depois de uma cerveja, os locais
dizem adorar os ingleses. Amam
de paixão Margaret Thatcher, ex-premiê britânica, por razões óbvias. Foi ela quem enviou as forças
britânicas para defender esse território perdido no globo, quase
caindo do mapa no extremo sul
da América Latina. As picuinhas
entre kelpers e britânicos são por
razões, no fundo, etílicas. Umas
cervejas a mais e começa o papo
de que o kelper pode trabalhar no
Reino Unido sem precisar de visto especial, mas o britânico, sim,
precisa dele. Uma total ironia do
destino.
O kelper diz ao inglês que não
precisa do dinheiro da coroa para
viver muito bem aqui, nas Falk
lands, ofendendo o amor próprio
do outro e, para fechar o tempo,
diz na cara que não o quer por
aqui cantando suas mulheres.
O ressentimento mais forte é,
claro, com os argentinos. Perto de
Goose Green, principal cenário
do conflito bélico do 1982 entre
Argentina e Reino Unido, há um
cemitério argentino. Só há pouco
tempo foi dada permissão para
que eles visitassem esse local.
Foi recentemente reformado e
renovado por um engenheiro
desse país e ficou muito bonito,
mas ainda é terminantemente
proibido estender a bandeira argentina em qualquer canto.
Há muitos imigrantes chilenos.
No começo, eles foram discriminados pelo simples fato de falar
espanhol, sendo confundidos
com argentinos. Com o tempo, a
confusão foi desfeita. Hoje eles
convivem bastante bem. Tem
muitos imigrantes da ilha Santa
Helena, considerada a segunda
maior população das Malvinas.
Quando um jovem habitante
das Malvinas termina o colégio,
presta um exame e, de acordo
com o resultado, o governo local
paga tudo para ele estudar no Reino Unido.
Se os resultados continuam positivos, o governo também banca
a faculdade. E, como se isso fosse
pouco, dão a ele 500 libras (R$
1.989) por mês, para viver.
(JAIME BÓRQUEZ)
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