São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

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ATLÂNTICO SUL

De segunda a sexta, moradores se reúnem em bar para fazer negócios, além de beber cerveja, jogar e dançar

Atividade em pubs anima a rotina kelper

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NAS MALVINAS

Quem acha que em Port Stanley a vida é muito diferente da do resto do mundo, por ser lá justamente quase o fim do mundo, pode se surpreender com a semelhança da vida deles com a de qualquer morador do interior do Brasil.
Talvez a diferença seja que lá a taxa de desemprego é mínima, e um marceneiro ou pedreiro pode ter um salário parecido com o de um profissional com diploma universitário.
Os habitantes de Port Stanley trabalham das 8h às 16h30, e é bom lembrar que sua pontualidade é britânica. Não tem essa de quebrar o galho e receber o cliente na loja às 16h35 só porque o dono está lá dentro, tomando aquele chá das cinco de praxe. O lugar mais agitado e concorrido após essa hora é o pub.
Há pelos menos cinco na cidade. Bom número, levando em conta que o centro de Port Stanley não tem mais de seis quarteirões de extensão por quatro de largura. Para não cair na monotonia, os pubs organizam atividades diferentes para cada dia da semana, com um único fim: que os paroquianos bebam sua cervejinha e se divirtam entre um gole e outro.
Nas segundas, há competição de dardos; às terças, é noite de música e danças latinas (o Globe Tavern é o mais concorrido nesse quesito); na quarta, são os campeonatos de sinuca; nas quintas, se brinca de "quiz", em que grupos de amigos competem em conhecimentos gerais; as sextas-feiras são simplesmente para ir beber e comentar o que aconteceu na semana. Aos sábados e domingos, todo mundo vai para algum lugar: ou visita parentes e amigos ou se reúne no quintal da casa ou tem seu dia de campo, para comer um churrasquinho de cordeiro e, claro, continuar bebendo cerveja.
Ao chegar a noite, o destino costuma ser o pub de novo. Todo e qualquer assunto social ou de negócios é tratado em um pub ou restaurante, dificilmente no escritório. Segundo uma habitante da cidade, por aqui tudo é motivo para beber cerveja.
Só há um canal de televisão aberta, que é militar, o BFBS (British Forces Broadcast Service), e os habitantes são unânimes ao dizer que ele é danado de ruim. Passam três novelas ao dia, e o resto é um "acoxambro" de programas pré-gravados no Reino Unido. Mas há Direct TV. Seu proprietário é um chileno que descobriu o ouro via satélite. São 48 canais recentemente postos ao ar.
Comida típica? Pouca. O cardápio costuma ser o mesmo que o de qualquer súdito da rainha Elizabeth, mas com mais cordeiro e muita batata, com curry e chutney à vontade. A culinária chilena tem hoje dado pitacos e influenciado a mesa do kelper. Servem-se empanadas, carne de vaca e frutas, além dos legumes e vegetais, que, em geral, vêm do Chile. Chefs desse país chegaram a trabalhar em hotéis e restaurantes da cidade, o que fez aumentar a variedade e o sabor dos pratos antes pouco agraciados da gastronomia local.
Há três restaurantes dignos de recomendação: Malvinas House, Falkland Brasserie e o do hotel Upland Goose, o mais antigo da cidade e que, segundo dizem, abriga fantasmas.
O crescimento do turismo fez que as famílias abrissem suas casas para receber essas libras que estão dando sopa hoje em dia. Há duas que merecem destaque: Scotia House e Waterfront. Os custos vão de 15 libras (R$ 60) a 40 libras (R$ 159) por dia, dependendo da temporada.
Depois de uma cerveja, os locais dizem adorar os ingleses. Amam de paixão Margaret Thatcher, ex-premiê britânica, por razões óbvias. Foi ela quem enviou as forças britânicas para defender esse território perdido no globo, quase caindo do mapa no extremo sul da América Latina. As picuinhas entre kelpers e britânicos são por razões, no fundo, etílicas. Umas cervejas a mais e começa o papo de que o kelper pode trabalhar no Reino Unido sem precisar de visto especial, mas o britânico, sim, precisa dele. Uma total ironia do destino.
O kelper diz ao inglês que não precisa do dinheiro da coroa para viver muito bem aqui, nas Falk lands, ofendendo o amor próprio do outro e, para fechar o tempo, diz na cara que não o quer por aqui cantando suas mulheres.
O ressentimento mais forte é, claro, com os argentinos. Perto de Goose Green, principal cenário do conflito bélico do 1982 entre Argentina e Reino Unido, há um cemitério argentino. Só há pouco tempo foi dada permissão para que eles visitassem esse local.
Foi recentemente reformado e renovado por um engenheiro desse país e ficou muito bonito, mas ainda é terminantemente proibido estender a bandeira argentina em qualquer canto.
Há muitos imigrantes chilenos. No começo, eles foram discriminados pelo simples fato de falar espanhol, sendo confundidos com argentinos. Com o tempo, a confusão foi desfeita. Hoje eles convivem bastante bem. Tem muitos imigrantes da ilha Santa Helena, considerada a segunda maior população das Malvinas.
Quando um jovem habitante das Malvinas termina o colégio, presta um exame e, de acordo com o resultado, o governo local paga tudo para ele estudar no Reino Unido.
Se os resultados continuam positivos, o governo também banca a faculdade. E, como se isso fosse pouco, dão a ele 500 libras (R$ 1.989) por mês, para viver.
(JAIME BÓRQUEZ)


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