São Paulo, segunda, 16 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUALQUER VIAGEM
Seja polido ou... um sonho de Nova York

DAVID DREW ZINGG
em Nova York

"New York, New York, a helluva town
The Bronx is up but the Battery is down
And people hide in a hole in the ground
New York, New York -it's a helluva town." Betty Comden e Adolph Green
Lembram-se de alguns anos atrás, quando a única maneira de não ser assassinado em Nova York era NUNCA, NUNCA olhar diretamente nos olhos de qualquer outro passageiro dentro do metrô?
Pichações cobriam a cidade como uma epidemia de varíola exposta em público. Prostitutas adolescentes expulsavam os turistas das calçadas lotadas de Times Square.
Um passeio para ver as atrações do Harlem era uma forma de turismo tão impensável quanto uma viagem gratuita às selvas do Vietnã em tempo de guerra.
Nova York era simplesmente um inferno.
Bom, pessoal, as coisas mudaram, e, se o prefeito Giuliani conseguir o que quer, mudarão ainda mais.
O prefeito está tratando de questões relacionadas à qualidade de vida na cidade que podem conduzi-lo a novas alturas na carreira política, que podem levá-lo ao governo do Estado e, quem sabe, à Casa Branca.
Vocês se lembram da política de "tolerância zero" que ele instituiu, não?
Ao fazer a população compreender que a cidade não toleraria pequenos delitos (como jogar lixo na rua), ele conseguiu que os números de grandes delitos (assassinatos e roubos) caíssem.
Nos seus primeiros quatro anos na prefeitura, Giuliani conseguiu executar projetos ambiciosos, muitas vezes contra uma oposição aparentemente intransponível. Ele conseguiu até mesmo fundir as três forças policiais da cidade, um feito que deve ter atraído olhares invejosos de Brasília.
Giuliani e Platão
Quando cheguei aqui, há duas semanas, Giuliani estava projetando a imagem de um filósofo grego tardio. Fizera um discurso no qual enfatizou a importância da civilidade nas relações cotidianas entre os habitantes da metrópole.
Em um discurso de 40 minutos, que poderia ter feito parte de uma campanha eleitoral, o prefeito definiu uma visão pessoal para uma cidade mais segura, sã e lenta.
Identificou uma ampla gama de males -de violações de tráfego mortíferas à simples falta de educação- e se colocou alternadamente nos papéis de inimigo do crime, guarda de trânsito e filósofo.
"Será que todo mundo se lembra de Platão?", perguntou Giuliani. "Platão desenvolveu o conceito de um ideal. Você jamais o atinge, mas, ao se esforçar por fazê-lo, vai sempre aperfeiçoando a sociedade.
A república ideal, o estado de honestidade ideal, o estado de integridade ideal, o estado de limpeza ou segurança ideal. Algumas pessoas romantizam o estado das coisas há cinco ou dez anos", disse Giuliani.
"Sentem nostalgia pela velha Times Square, por exemplo. Pensam que era de alguma maneira charmoso ter pichações em toda parede e uma sex shop em cada quarteirão".
"Mas lembrem-se de como as coisas realmente eram. Lembrem-se do medo e do desrespeito pelos direitos das pessoas que grassavam descontroladas sob aquele clima. As famílias jamais poderiam levar seus filhos a Times Square", concluiu Giuliani.
Defendendo a tranquilidade
A próxima campanha do prefeito para produzir um clima de vida melhor em Manhattan envolverá uma série de medidas para transformar ainda mais essa cidade tradicionalmente áspera em um lugar amistoso e tranquilo, onde motoristas não correm e residentes tratam-se com polidez.
Ele disse que os policiais começariam a aplicar um limite de velocidade há muito esquecido, de 50 km/h, nas ruas da cidade e que reprimiriam os motoristas infratores durante um dia de "tolerância zero a excesso de velocidade", a ser definido de surpresa.
Prometendo combater os demônios das ruas e das calçadas, ele propôs dificultar a concessão de licenças a motoristas de táxi.
Também exigirá que os mensageiros de bicicleta, uma ameaça à vida e à saúde dos pedestres, sejam licenciados. Para que vocês tenham uma idéia, 22 ciclistas foram mortos em acidentes com carros na cidade de Nova York no ano passado, o maior número em uma década.
Em qualquer dia, 1 milhão de carros passam por Manhattan, e 100 mil ciclistas pedalam pelas ruas.
Nos últimos dois anos, ciclistas causaram a morte de quatro pedestres. Carros causaram a morte de mais de 250 pedestres, incluindo ciclistas, no ano passado.
Em nível mais pessoal, quando Giuliani foi perguntado se a nova civilidade se aplicaria a ele mesmo, o prefeito famoso pelo temperamento esquentado -que já usou palavras como "estúpida", "imbecil", "tola" e "idiota" ao descrever perguntas de repórteres- disse que se tratava de uma "resposta honesta" de sua parte aos graves problemas da cidade.
Para seus críticos, o prefeito está usando questões simbólicas de "qualidade de vida" como uma maneira de evitar enfrentar problemas mais substanciais, como o desempenho medíocre e a lotação excessiva das escolas municipais.
Qualquer que seja o jogo de Giuliani, São Paulo poderia aplicar algumas de suas idéias ítalo-gregas para construir uma vida metropolitana um pouquinho mais civilizada.

Tradução de Paulo Migliacci



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.