São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Guignard e Vinicius legam graça a hotel

Donati conserva pinturas do artista modernista e poema escrito de próprio punho pelo compositor carioca, seus antigos hóspedes

DA ENVIADA ESPECIAL A ITATIAIA (RJ)

Na casa central, lê-se, em uma estaca que sustenta o teto: "Não esquecer que neste andar tem companheiros a descançar". Apesar do português ruim, a pintura bem cuidada denota o autor do aviso. É uma das marcas que o pintor modernista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) deixou no hotel Donati (quando ele se chamava Repouso), fundado em 1931 pelo alemão naturalizado brasileiro Roberto Donati.
Após uma temporada de descanso na região, que ainda era uma estação biológica, o europeu então exilado no Rio de Janeiro decidiu criar um hotel em plena serra -o primeiro na área atual do parque nacional. Um espírito desbravador compartilhado também por seus primeiros hóspedes: a subida na mata era feita em cavalos, enquanto burros carregavam as bagagens.
Guignard era um deles. Passando por dificuldades financeiras, o pintor refugiava-se por longas temporadas, entre 1940 e 1942, na hospedaria do amigo, que havia conhecido no Rio, ganhando até um pequenino chalé (reformada e ampliada, a cabana ainda recebe hóspedes). Como nada lhe era cobrado, Guignard tentava retribuir a ajuda com aquilo que fazia melhor: pintar.
Rebuscadas decorações florais foram espalhadas por portas, janelas, batentes e móveis. Donati e sua afilhada, Dora Vidal de Andrade, então com um ano de idade e imensos olhos azuis -cuja família herdou a propriedade de Donati e hoje gerencia, ao lado do filho, o hotel- foram retratados em 1941. Os quadros não ficam expostos, mas Dora os exibe se o visitante pedir.
Para que o tempo não deteriorasse as pinturas, portas e janelas exteriores foram retiradas e levadas para o segundo andar da casa central, que já concentrava a maior parte das obras (lá ficavam os quartos no início da hospedaria, antes de os chalés serem construídos), além, é claro, dos avisos no teto, lembrando antigos hábitos ("Silêncio das 13h-15h e depois das 22h"). Assim, esse patamar do atual Donati tornou-se o museu do hotel, com fotos, objetos antigos e outra relíquia presenteada ao alemão: um poema, escrito de próprio punho por Vinicius de Moraes (1913-1980).
O "Poetinha" era outro amigo ilustre de Donati e também passou alguns dias na região serrana nas décadas de 30 e 40. O poema (leia ao lado) homenageia a casa de Donati, que ficava próxima ao hotel e era chamada de Itaóca.
Finda a viagem histórica, vale descer as escadas e rumar à cozinha, no térreo, de onde saem quitutes caprichados assinados por Dora, ou aproveitar a piscina natural (cuja inauguração, em 58, está retratada no "museu").
Um porém: para dormir, prefira os chalés não-geminados (as paredes unidas deixam passar os ruídos do quarto ao lado).
(JULIANA DORETTO)


Texto Anterior: Fim de semana / Parque Nacional do Itatiaia - 256 KM de SP: Frio espanta banho, mas convida a chalés
Próximo Texto: Traço do pintor renovou barroco
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.