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AUTOFAGIA
Nem tudo no roteiro é realmente bandeirante
DO ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DE SP
Nem tudo o que se apregoa no
Roteiro dos Bandeirantes, ao contrário do que o nome sugere, é
bandeirante. E o que, para alguns,
pode significar variedade, para
outros, talvez sobressaia como
uma amarração temática frouxa.
Entre os pontos turísticos sugeridos pelo folheto de divulgação
do projeto, estão, por exemplo,
uma pedra de 270 milhões de
anos e um museu com acervos de
cidadãos ilustres nascidos na segunda metade do século 19 ou ao
longo do século 20. Ainda que se
aceite que tais lugares são interessantes, resta a pergunta: o que têm
eles realmente a ver com as pegadas deixadas pelos caçadores de
minérios e de índios?
Responde a diretora da Cotur
(Coordenadoria de Turismo da
Secretaria Executiva de Turismo),
Sonia Belardinucci: "Seria impossível a apresentação do roteiro do
modo como a região foi concebida na configuração original. O espaço foi alterado, os povoados
tornaram-se vilas que se tornaram cidades." Para ela, deve ser
levada em conta a influência do
período nas gerações seguintes.
Belardinucci diz que não ocorre
uma descaracterização do tema.
"O roteiro agrega outras possibilidades de desenvolvimento turístico que os municípios não poderiam deixar de lado por não se inserirem no âmbito bandeirista."
Mocinho e bandido
Os bandeirantes não foram mocinhos nem bandidos, classificações maniqueístas do bangue-bangue. Em périplos que dilataram as fronteiras brasileiras para
além do Tratado de Tordesilhas
-o que os transforma, para alguns, em heróis-, eles dizimaram milhares de índios -o que
os torna, para outros, vilões.
"Isso é uma tolice. Eles eram assassinos? Sim. Mas é preciso notar
que o mundo era muito violento",
diz Jean Marcel Carvalho França,
professor de história da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
"Eles eram violentos para os nossos padrões", explica Katia Maria
Abud, historiadora e professora
da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP).
O mito do semideus que descobriu as minas e deu ao Brasil um
mapa mais generoso começa a ser
forjado no final do século 19 e no
início do século 20 pela elite "quatrocentona" cafeicultora. "Nos séculos 16, 17 e 18, já há documentos
que sugerem um imaginário
grandioso", diz França.
Essa mania de grandeza paulista
encontraria ecos na Revolução
Constitucionalista de 1932 e no
Quarto Centenário paulistano,
em 1954. Nos 450 anos da capital,
comemorados em janeiro último,
a chama nativista foi mais branda.
"É que ninguém mais estuda história", avalia Abud.
A atuação bandeirista se desenvolveu no século 17 e atingiu boa
parte do século 18, com declínio
neste último. Mais ligadas ao século 16, as entradas, expedições
em geral organizadas pela Coroa,
exploravam novas terras. Também se prospectava o ouro e se
preava o gentio. Elas antecederam
as bandeiras paulistas e foram
contemporâneas suas.
A função das explorações bandeirantes de capital particular era
aprisionar índios e abastecer o
mercado com a mão-de-obra escrava caçada. Essa atividade econômica demandava a estrada
-fluvial ou não. Metais valiosos
também eram buscados por esses
varões rudes, que falavam tupi e
tinham sangue mestiço. "Geralmente, o grande chefe era branco,
mas tinha bastardos com as índias", afirma Abud. Por vezes, os
bandeirantes trabalhavam como
mercenários -em 1692, Domingos Jorge Velho partiu para o
Nordeste a fim de arrasar o Quilombo de Palmares.
Quando o ouro foi descoberto
em Cuiabá e em Goiás, no começo
do século 18, começaram a ser organizadas as monções, que proviam os rincões do Centro-Oeste.
Os batelões (barcaças) que deslizavam pelas águas do Tietê partiam de Porto Feliz.
(PEDRO IVO DUBRA)
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