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FERNANDO GABEIRA
Repórteres no olho do furacão
O assassinato do jornalista Tim Lopes é um trauma que pode inspirar mil artigos,
com mil ângulos diferentes. O
centro do debate tem sido a violência urbana, com a emergência
dos falcões de sempre contra as
pombas de sempre. A turma do
mata-e-esfola contra a das obras
sociais e passeatas de branco.
Como acho que as soluções simplificadas, de um lado ou de outro, não satisfazem e que ainda
vai levar muito tempo para a sociedade dar uma resposta complexa a esse tema, prefiro cuidar
do ofício de repórter; mergulhar
de novo nas coisas como elas são,
sem discursos sobre como deveriam ser.
No momento em que Tim Lopes
morre no Brasil, é lançado na Europa um documentário de 96 minutos inspirado na vida de James
Nachtwey, intitulado "Fotógrafo
de Guerra". Nesse documentário,
disponibilizado na internet
(www.war-photographer.com),
através de missões em pontos de
guerra, é possível conhecer o trabalho de um correspondente e os
conflitos com a situação da qual
se quer fugir, mas em que se sente
preso pela responsabilidade profissional.
É um trabalho de qualidade, à
altura do próprio Nachtwey, e seu
realizador, Christian Frei, ganhou o Oscar da categoria.
Foi questionado o uso de microcâmeras em alguns artigos sobre
Tim Lopes. O fundamento são as
posições de Robert Fisk, correspondente do "The Independent",
que condena a tomada de partido
nas guerras e mantém uma postura independente. O diabo é que
o contexto de Fisk, a Guerra do
Golfo ou mesmo a do Afeganistão, não pode ser aplicado universalmente.
Câmeras ocultas, como numa
favela do ABC paulista, serviram
para proteger inocentes assassinados pela polícia. Não me lembro como Fisk trabalhou na fragmentação da Iugoslávia, mas
houve momentos em que éramos
detidos pelas mais diferentes patrulhas, não havia uma clareza
de quem era quem. Tínhamos
que fotografar às escondidas. Não
dava para dizer: "Caro senhor
patrulheiro, sou um repórter independente e vou documentar algumas cenas que pretendo apresentar com todo o rigor ético".
Temos de fazer muitas fotos escondidas. A presença da câmera
Leica nas mãos dos grandes fotógrafos da agência Magnum não
se deve apenas à sua excelência
técnica. Ela tem um obturador silencioso, que permitiu que muitas
fotos fossem feitas discretamente.
Não vejo como condenar em
absoluto ou absolver em absoluto
a imagem feita em sigilo. No caso
de Tim Lopes, era missão legítima, como foi a grande reportagem sobre a feira de drogas que
lhe valeu um Prêmio Esso. Se serviu ou não para reduzir o tráfico é
uma questão secundária, uma
vez que seu trabalho consistiu em
mostrar a vida real.
A morte de Tim Lopes despertou uma certa onda de críticas ao
jornalismo investigativo. Não a
temo, porque o jornalismo sempre estará na linha de frente, independentemente do perigo. Nosso adversário é econômico. As
agências de fotorreportagem estão sendo fechadas, a tendência
ao espetáculo enfraquece o espaço
da reportagem na TV, a própria
sociedade vai aos poucos dando
as costas aos grandes problemas,
mergulhando na fantasia.
O adversário econômico pode
ser letal. Grandes reportagens demandam tempo. Demandam
equipamentos, também. Se o repórter marca um encontro às dez
e não aparece, fica mais fácil localizá-lo se ele possuir uma pulseira
monitorada por GPS. O satélite
pode precisar onde ele está naquele momento, facilitando a
busca.
Há muitas maneiras de fortalecer o trabalho jornalístico. A ONG
Repórteres sem Fronteiras lançou
alguns mandamentos que deveriam, no meu entender, ser incorporados pelas empresas e pelos
jornalistas brasileiros.
Perdemos nove jornalistas entre
1996 e 2001. Todos assassinados
porque denunciaram corrupção
em nível municipal. A morte de
Tim Lopes abriu os olhos para um
outro tipo de problema. A cobertura nas favelas precisa ser vista
como algo especial, sobretudo em
áreas dominadas pelo movimento de drogas.
Sou contra as tentativas de usar
este episódio para condenar a Rede Globo. No entanto, como jornalista, confesso que a imprensa
não nos deu uma versão muito
precisa do desaparecimento de
Tim Lopes.
Se ele estava lá para cobrir um
baile funk, como é que marcou
com o motorista para pegá-lo às
22h, se os bailes funk jamais começam antes das 23h? É mesmo
possível haver sexo explícito
usando meninas em bailes funk?
A última história desse tipo envolvia garotas que engravidavam
brincando de sentar no colo dos
meninos. Sérgio Arouca, então secretário da Saúde, acabou sendo
um pouco ironizado por embarcar nessa versão.
A matéria que Tim Lopes não
completou sobre os bailes funk do
complexo do Alemão não pôde
ser filmada como ele gostaria,
mesmo porque os bailes foram
proibidos. No entanto, com ajuda
de testemunhas e dos músicos que
tocaram por lá, é possível reconstituir a história.
Passada a indignação, não há
outro caminho a não ser apurar.
Sempre tive um grande fascínio
em saber como é por dentro o
complexo do Alemão. Jantei com
amigos que moram na subida. Estava subindo devagar, pois sou
sozinho e a natureza do meu trabalho implica em se mostrar, ao
invés de se disfarçar.
A imprensa brasileira deve
grandes reportagens sobre o complexo do Alemão. O trabalho de
Tim Lopes era aproximar morro e
asfalto pela informação. Com todo o respeito pelos demagogos
que cospem fogo com a morte dele, uma forma de honrá-lo seria
prosseguir com a missão jornalística.
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