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SELEÇÃO À ARGENTINA
Buenos Aires mais "callejera" e menos europeia miscigena cumbia ao tango e sai ainda mais interessante
Atmosfera da viagem mescla bola, tango e livro
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Por obra e graça de don Diego
Armando Maradona, a cumbia
funde-se ao tango, o escritor
marginal Washington Cucurto
(autor de "Cosa de Negros") penetra nos labirintos de Jorge
Luís Borges e assim Buenos Aires irradia para o mundo uma
Argentina menos europeia,
mais miscigenada e cucaracha,
no bom sentido rebolante e latino-americano.
A elegância dos ternos bem
cortados à italiana, como César
Luis Menotti (técnico argentino campeão em 1978) e a sua
dramaturgia de personagem de
Antonioni, dá lugar ao abrigo
esportivo e "callejero", moda
suburbana no último.
Só mesmo don Diego Armando Maradona, santificado em
todos os segmentos sociais, como Perón e Evita, conseguiria,
neste ano de Copa, nos fazer
lembrar de uma Buenos Aires
periférica, "uma fábrica de paraguasytos" -para voltar a citar o anti-Borges Cucurto, que
critica como o mito do autor de
"O Aleph" sufoca, de certa maneira, as novas gerações de escritores e leitores de um país
menos aristocrático.
É nos arrabaldes que Maradona e o seu genro Aguero, jogador do selecionado argentino, fazem coro com o grupo
Mezgaya, um dos mais populares da cumbia local, participando dos concertos.
Como estampam as camisetas vendidas nas ruas de Buenos Aires: "Nem príncipe, nem
rei. Deus." É esta a diferença da
relação que o brasileiro tem
com Pelé, o rei do futebol, e que
o argentino tem com Maradona, "el pibe de oro".
É praticamente proibido falar mal de "D10S", grafado assim por causa da sua famosa camisa dez, em alguns lugares da
cidade. Se for nos arredores da
Bombonera, o estádio do Boca
Juniors, o visitante corre o risco de comprometer o seu belo
sorriso de turista.
No Brasil, ao contrário, falar
mal de Pelé é, em alguns momentos, quase o segundo esporte mais popular do país. Não
do que ele realizou nos gramados, mas da sua vasta produção
oral como palpiteiro nos esportes e na política.
Depois de uma trajetória melodramática durante as eliminatórias sul-americanas, o time
argentino parece ganhar entrosamento -já bateu inclusive a
Alemanha em amistoso- e Maradona, que já tem estátuas em
Buenos Aires, pode voltar da
África do Sul em condições políticas de ser até um novo Perón, candidatando-se à presidência da República -se é que
vai cair na tentação dessa grande roubada populista.
Seja qual for o resultado do
torneio da Fifa, o agora comandante dom Diego, que ganhou
praticamente sozinho como
boleiro a Copa de 1986 (México), já redesenhou, com a simbologia mestiça e suburbana,
novas feições para a capital argentina. O filho da Villa Fiorito,
bairro do subúrbio, faz do seu
país a sua imagem e semelhança. Com o remelexo da cumbia
ou com o apunhalado coração
de um tango.
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