São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010

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SELEÇÃO À ARGENTINA
Buenos Aires mais "callejera" e menos europeia miscigena cumbia ao tango e sai ainda mais interessante

Atmosfera da viagem mescla bola, tango e livro

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Por obra e graça de don Diego Armando Maradona, a cumbia funde-se ao tango, o escritor marginal Washington Cucurto (autor de "Cosa de Negros") penetra nos labirintos de Jorge Luís Borges e assim Buenos Aires irradia para o mundo uma Argentina menos europeia, mais miscigenada e cucaracha, no bom sentido rebolante e latino-americano.
A elegância dos ternos bem cortados à italiana, como César Luis Menotti (técnico argentino campeão em 1978) e a sua dramaturgia de personagem de Antonioni, dá lugar ao abrigo esportivo e "callejero", moda suburbana no último.
Só mesmo don Diego Armando Maradona, santificado em todos os segmentos sociais, como Perón e Evita, conseguiria, neste ano de Copa, nos fazer lembrar de uma Buenos Aires periférica, "uma fábrica de paraguasytos" -para voltar a citar o anti-Borges Cucurto, que critica como o mito do autor de "O Aleph" sufoca, de certa maneira, as novas gerações de escritores e leitores de um país menos aristocrático.
É nos arrabaldes que Maradona e o seu genro Aguero, jogador do selecionado argentino, fazem coro com o grupo Mezgaya, um dos mais populares da cumbia local, participando dos concertos.
Como estampam as camisetas vendidas nas ruas de Buenos Aires: "Nem príncipe, nem rei. Deus." É esta a diferença da relação que o brasileiro tem com Pelé, o rei do futebol, e que o argentino tem com Maradona, "el pibe de oro".
É praticamente proibido falar mal de "D10S", grafado assim por causa da sua famosa camisa dez, em alguns lugares da cidade. Se for nos arredores da Bombonera, o estádio do Boca Juniors, o visitante corre o risco de comprometer o seu belo sorriso de turista.
No Brasil, ao contrário, falar mal de Pelé é, em alguns momentos, quase o segundo esporte mais popular do país. Não do que ele realizou nos gramados, mas da sua vasta produção oral como palpiteiro nos esportes e na política.
Depois de uma trajetória melodramática durante as eliminatórias sul-americanas, o time argentino parece ganhar entrosamento -já bateu inclusive a Alemanha em amistoso- e Maradona, que já tem estátuas em Buenos Aires, pode voltar da África do Sul em condições políticas de ser até um novo Perón, candidatando-se à presidência da República -se é que vai cair na tentação dessa grande roubada populista.
Seja qual for o resultado do torneio da Fifa, o agora comandante dom Diego, que ganhou praticamente sozinho como boleiro a Copa de 1986 (México), já redesenhou, com a simbologia mestiça e suburbana, novas feições para a capital argentina. O filho da Villa Fiorito, bairro do subúrbio, faz do seu país a sua imagem e semelhança. Com o remelexo da cumbia ou com o apunhalado coração de um tango.


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