São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006

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ENTRE "CERROS"

Ingressos a preços módicos popularizam a música em bares; nova geração é aficionada por bossa nova

Jazz ao vivo impõe o ritmo nas noites da capital chilena

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO CHILE

"Uno, dos, tres." E as mãos começam a dedilhar o piano, num ritmo que já faz os pés dos ouvintes irem para cima e para baixo. Segundos depois entra o saxofone -a boca do instrumentista se enche e se esvazia, os olhos fecham nos momentos de som mais agudo. Sem tirar as mãos do teclado, o pianista olha para trás e vê, por seus óculos de metal grandes e quadrados, o seu alvo na mesa do lado do palco. "Jorge!", grita, sem parar de tocar. O homem da mesa olha para ele, olha para frente, dá de ombros. O som continua. O contrabaixista acaba de afinar seu instrumento, sobe ao palco e começa a tocar. Jorge se apressa, levanta, toma as baquetas e conduz a bateria. O jazz de Santiago faz o corpo todo balançar.
É o show de Cultrera, Spinoza e Cia., que se apresenta todas as terças e sextas em El Mesón Nerudiano, umas das casas de jazz da capital chilena. O ritmo começa a pipocar aqui e ali na cidade: Santiago parece querer tomar forma de uma Nova Orleans latina. Nos palcos, se encontram desde os mais tradicionais músicos do país a jovens faces que estréiam no cenário da noite. Música boa, sempre executada ao vivo. Para ouvir, basta pagar módicas entradas (a mais cara delas custa 4.000 pesos chilenos; R$ 17). Mas, com uma taça de vinho chileno, fica melhor.
O Méson (Domínica, 35, www.elmesonnerudiano.cl) é um restaurante-bar que tem arte no cardápio. Em seu subsolo de paredes de pedra, pode-se jantar assistindo a peças de teatro, ouvindo declamações de poesia do padrinho da casa, Neruda, ou, claro, escutando jazz. Há shows todas as noites (exceto domingo e às vezes quarta), e a entrada custa, em geral, 2.000 pesos chilenos (cerca de R$ 8; varia com o show). Nesse caso, a taça de vinho sugerida acima deve acompanhar um dos bons pratos do menu, inspirado nos gostos gastronômicos do poeta -o suave pastel de jaiba (um crustáceo) é o carro-chefe.
Giovanni Cultrera comanda o piano, enquanto Alfredo Espinoza é o mestre do sax e do clarinete. Duas lendas vivas do jazz do Chile -nascidos em 1931 e 1942, respectivamente. São os dois únicos músicos profissionais no grupo. A americana Danielle Gilson, que faz as vezes de diva, arranca sorrisos com muitas caras e bocas. Nelson Arriagada no contrabaixo e Jorge Rodriguez Donoso na bateria completam o quinteto.
No mesmo bairro, o Bellavista, o pequenino El Perseguidor (Antónia Lopez de Mello, 0126; www.elperseguidor.cl) é abrigo para um público mais jovem, tanto nas mesas quanto no palco. Aos brasileiros, é familiar ouvir as canções da nova geração de jazzistas de Santiago. Eles veneram nossa bossa nova. E dá-lhe "Garota de Ipanema", "Samba de Uma Nota Só" e "A Felicidade", cantadas por moças nervosas, em um português de generoso sotaque, mas com afinação e insistência. Não é raro ver mesas com famílias inteiras aplaudindo entusiasticamente seus rebentos cantores. Os shows ocorrem de quarta a sábado, a partir das 22h30. A entrada custa 1.500 pesos chilenos.
Ainda nas redondezas boêmias da Bellavista, o Thelonious (Bombero Nuñez, 336; www.thelonius.cl) tem visual mais claro e moderno, abusando da madeira no projeto arquitetônico. Estantes oferecem livros, para uma leitura antes de o show começar. O palco, rebaixado, não fica um dia sequer sem receber músicos (o ingresso custa no máximo 2.000 pesos chilenos). No dia da visita da Folha, o pianista Gonzalo Palma, importante nome em Valparaíso, abusava freneticamente de seu instrumento, acompanhado por músicos jovens no baixo e na bateria.
O Club de Jazz de Santiago é a maior das casas. Escuro, está em um casarão antigo no bairro de Nuñoa (José Pedro Alessandri, 85; www.clubdejazz.cl) -o que contrasta com a berrante estampa das toalhas que cobrem as mesas. Tem espectadores de todas as idades, que vêm ouvir jazzistas de todas as idades. Há shows de sexta a domingo, às 22h. A entrada custa 3.000 pesos chilenos (R$ 12,47). No sábado, quando três artistas se apresentam, sobe para 4.000 pesos chilenos; estudantes pagam 2.500 pesos chilenos. Entre, acomode-se, peça seu vinho e faça um brinde ao jazz chileno. (JULIANA DORETTO)


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