São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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QUE PAÍS É ESSE?
País procura formar uma sociedade de consumo e tenta erradicar qualquer sinal de provincianismo
Portugal conjuga suas próprias contradições

João Bittar / Folha Imagem
Torre de Belém, de onde partiram as caravelas rumo aos descobrimentos


PRISCILA FIGUEIREDO
enviada especial a Portugal

Lisboa se alastra gradualmente em antinomias. Conjuga o arrojamento de pontes e viadutos, o aeroporto que se apressa na modernização com a Expo 98 e a entrada de Portugal na União Européia (1986), os casarios seculares, o ambíguo bairro das Amoreiras, em que se ergue o shopping homônimo.
O conjunto deixa entrever uma cidade que, não sem contradições, se desembaraça da nostalgia e do nacionalismo e aceita as regras da Comissão Européia.
O capital estrangeiro se faz sentir na crescente industrialização do país e no consequente aumento do Produto Interno Bruto (PIB) -de US$ 20 bilhões em 1984 para US$ 92 bilhões em 1994-, na novíssima frota de carros que desfilam pelas ruas, na diminuição do número de leitos hospitalares, na lenta desfiguração do que parecia um eterno "idílio perdido" à beira do Atlântico (nas palavras de Hans Enzensberger).
Guiada pela miragem da "democracia de sucesso" (distante 24 anos do regime salazarista) e ainda patinhando na formação de uma sociedade de consumo e na erradicação de qualquer provincianismo (Portugal não quer mais ser o cu da Europa, mas a entrada da Europa...), Lisboa, hesitante, bifronte, parece por vezes olhar para trás, de modo que logo compreendemos, andando pelas antigas ruas do bairro do Chiado, ou vendo o Tejo passar próximo a Alfama, entre o castelo de São Jorge, a Mouraria e a Judiaria medieval, o que é a tão falada saudade portuguesa. O que é ficar a contemplar o rio e a esperar...
É verdade que nosso olhar sobre Lisboa já parece educado de antemão por Fernando Pessoa e também por Eugénio de Andrade, Luíza Neto Jorge, Al Berto... (ou estes também já tiveram o olhar dirigido), mas, entre gaivotas, barcos, cafés e ócio, o devaneio é certo, a melancolia é mesmo doce. "De certa forma,/ fico alheia", usando os versos de Sophia de Mello Breyner, uma das vozes mais intensas da poesia portuguesa contemporânea, que já há tempos não agoniza sob influências acachapantes e conta com autores de primeiro time.


Priscila Figueiredo, consultora de português da Folha, viajou a convite da Transbrasil e do Icep (Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal).



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